quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Pequena Vendedora de Fósforos

Hoje eu quero compartilhar a história da Pequena Vendedora de Fósforos, de Hans Christian Andersen, extraída do livro Contos de Fadas (edição, introdução e notas Maria Tatar; tradução Maria Luiza X. de A. Borges - 1. ed. com. e il. - Rio de Janeiro: Zahar, 2013. pag. 294-299).

A Pequena Vendedora de Fósforos
Hans Christian Andersen

     Fazia um frio terrível. A neve caía e dali a pouco ficaria escuro. Era o último dia do ano: véspera de ano-novo. Nas ruas frias, escuras, você poderia ver uma pobre menininha sem nada para lhe cobrir a cabeça, e descalça. Bem, é verdade que estava usando chinelos quando saiu de casa. Mas de que adiantavam? Eram chinelos enormes, que pertenciam à sua mãe, o que lhe dá uma ideia de como eram grandes. A menina os perdera ao atravessar correndo uma estrada no instante em que duas carruagens avançavam ruidosamente e numa velocidade apavorante. Não conseguiu achar um pé dos chinelos em lugar nenhum, e um menino fugiu com o outro, dizendo que um dia, quando tivesse filhos, poderia usá-lo como berço.
     A menina caminhava com seus pezinhos descalços, que estavam rachados e ficando azuis de frio. Levava um molho de fósforos na mão e mais no avental. Não vendera nada o dia inteiro e ninguém lhe dera um níquel sequer. Pobre criaturinha, parecia a imagem da miséria a se arrastar, faminta e tiritando de frio. Flocos de neve se aninhavam em seu cabelo claro, comprido, que ondulava suavemente em volta do pescoço. Mas você pode ter certeza de que ela não estava pensando em sua aparência. Em cada janela, luzes reluziam e um delicioso cheiro de ganso assado se espalhava pelas ruas. Veja bem, era véspera de ano-novo. Era nisso que ela pensava.
     Num canto entre duas casa, uma das quais se projetava sobre a rua, ela se agachou e se encolheu no frio, as pernas dobradas sob si. Mas isso só a fez sentir mais e mais frio. Não tinha coragem de voltar para casa, pois não vendera fósforo nenhum e não tinha um níquel para levar. Seu pai com certeza iria surrá-la, e depois era quase tão frio em casa quanto aqui. Só tinham o telhado para protegê-los, e o vento sibilava através dele, embora as fendas maiores tivessem sido vedadas com palha e trapos. O frio era tanto que as mãos da menina estavam quase dormentes. Ah! Talvez acender um fósforo ajudasse um pouco. Se pelo menos se atrevesse a tirar um do pacote e riscá-lo na parede, só para aquecer os dedos. Puxou um - rrrec! -, como ele espirrava enquanto queimava! Surgiu uma luz clara e tépida, como uma vela, quando pôs a mão sobre ele. Sim, que luz estranha era aquela! A menina imaginou que estava sentada junto de uma grande estufa de ferro, com lustrosos puxadores de cobre e pés de latão. Que calor o fogo desprendia! No instante em que ia esticando os dedos dos pés para aquecê-los também - a chama apagou e a estufa desapareceu. Lá ficou ela, com o toco de um fósforo queimado na mão.
     Riscou outro fósforo contra a parede. Ele explodiu em chamas, e a parede que iluminava ficou transparente como um véu. Ela pôde ver direitinho dentro da sala, onde, sobre uma mesa coberta com uma toalha branca como a neve, estava posta uma porcelana delicada. Bem ali, podia-se ver um ganso assado fumegante, recheado com maçãs e ameixas. E, o que foi ainda mais espantoso, o ganso saltou do prato e saiu gingando pelo piso, com uma faca de trinchar e um garfo ainda espetados nas costas. Rumou diretamente para a pobre menininha. Mas naquele instante o fósforo apagou e só sobrou a parede úmida e fria diante dela.
     Acendeu um outro fósforo. Agora estava sentada sob uma árvore de Natal. Era ainda maior e mais bonita do que uma que vira no Natal passado através da porta de vidro da casa de um comerciante rico. Milhares de velas ardiam nos ramos verdes, e figuras coloridas, como as que já vira em vitrines, contemplavam aquilo tudo. A menina esticou ambas as mãos no ar... e o fósforo se apagou. As velas de Natal foram subindo, subindo, até que ela viu que eram estrelas cintilantes. Uma delas se transformou numa estrela cadente, deixando atrás de si uma risca de fogo coruscante.
     "Alguém está morrendo", pensou a menina, pois sua avó, a única pessoa que fora boa para ela e que agora estava morta, lhe contara que, quando a gente vê uma estrela cadente, é um sinal de que uma alma está subindo para Deus.
     Riscou mais um fósforo contra a parede. Fez-se então um clarão à sua volta, e bem ali, no centro dele, estava sua velha avó, parecendo radiante, e suave e amorosa. "Oh, vovó!" a menina exclamou. "Leve-me com você! Sei que vai desaparecer quando o fósforo apagar - como aconteceu com a estufa quentinha, com o delicioso ganso assado e com a alta e bela árvore de Natal." Mais que depressa ela acendeu todo o molho de fósforos, tal era o desejo de conservar sua avó exatamente ali onde estava. Os fósforos chamejaram com tanto vigor que de repente ficou mais claro que a clara luz do dia. Nunca sua avó parecera tão alta e bonita. ela tomou a menina nos braços e juntas as duas voaram em esplendor e alegria, cada vez mais alto, acima da terra, para onde não há frio, nem fome, nem dor. Estavam com Deus.
     Na madrugada seguinte, a menina jazia enroscada entre as duas casas, com as faces rosadas e um sorriso nos lábios. Morrera congelada na última noite do ano velho. O ano-novo despontou sobre o corpo congelado da menina, que ainda segurava fósforos na mão, um molho já usado. "Ela estava tentando se aquecer", disseram as pessoas. Ninguém podia imaginar que coisas lindas ela vira e em que glória partira com sua velha avó para a felicidade do ano-novo.

Fonte: http://www.justlia.com.br/2013/02/contos-de-fada-nao-tao-felizes/

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