quarta-feira, 18 de março de 2015

A Quinta Viagem de Simbad, o Marujo

Hoje eu quero compartilhar a história da Quinta Viagem de Simbad, o Marujo, extraída do livro As Mil e uma Noites: Contos Árabes (tradução Ferreira Gullar - 5. ed. - Rio de Janeiro: Revan, set. 2010. pag. 89-94).

A Quinta Viagem de Simbad, o Marujo

     Os prazeres - começou Simbad - tiveram a virtude de apagar de minha lembrança os males e penas que experimentara, sem contudo matar em mim o desejo de novas viagens. Daí por que comprei mercadorias, embalei-as e rumei com elas para o porto de mar mais próximo. Chegando lá, mandei construir um navio e o equipei às minhas custas. Quando ficou pronto, pus nele minhas mercadorias e, como não eram suficientes para lotá-lo, admiti a bordo vários comerciantes de outras nações, com suas cargas.
     Partimos quando soprou o primeiro vento favorável e, depois de muito navegar, chegamos a uma ilha deserta onde achamos o ovo de uma ave, do tamanho daquele outro de que já falei. Dentro dele havia um filhote, que começava a bicá-lo.
     Os mercadores, que haviam embarcado em meu navio e que desceram comigo na ilha, quebraram o ovo a golpes de machado e dele retiraram, aos pedaços, o filhote de pássaro e o assaram. Eu os havia advertido para não tocar naquele ovo, mas eles não quiseram ouvir.
 
Fonte: https://jhyperdimension.wordpress.com/2014/04/20/era-uma-vez-historias-para-todos-os-gostos/

     Mal haviam acabado de comer, surgiram no horizonte duas nuvens negras. O capitão que eu contratara para conduzir meu navio, sabendo por experiência própria o que aquilo significava, avisou que eram o pai e a mãe do filhote e nos apressou a voltar logo para o navio. Seguimos seu conselho, e sem demora o navio levantava âncora e se fazia ao mar.
     Entretanto, os dois pássaros gigantes se aproximaram soltando grasnados assustadores, e se tornaram mais furiosos quando viram o estrago feito em seu ovo e que seu filhote sumira. Mas, para surpresa nossa, em vez de nos atacarem, voaram na direção de onde tinham vindo e desapareceram por um tempo. Tratamos de nos distanciar dali, viajando o mais velozmente que podíamos.
     Mas eis que os pássaros voltaram trazendo nas garras pedaços enormes de rocha. Um deles sobrevoou o navio e soltou sobre nós as pedras que transportava. Graças a uma manobra do nosso timoneiro, a pedra não nos atingiu, caindo no mar. Mas a pedra que o outro pássaro soltou atingiu em cheio a embarcação, partindo-a em vários pedaços. Os marinheiros e passageiros ou foram esmagados por ela ou afundaram com os restos do navio e se afogaram. Eu também afundei; mas, voltando à tona, tive a sorte de me agarrar a uma tábua do barco. Assim, ora me segurando com uma das mãos ora com a outra, fui levado pelo vento e as correntes marinhas até uma ilha, cujas margens eram muito escarpadas. Apesar disso, consegui subir por elas e me salvar.

Fonte: http://www.sacred-texts.com/neu/lang1k1/tale20.htm

     Sentei-me na grama para me refazer do cansaço e, depois, fui explorar a ilha. Pareceu-me estar num aprazível jardim: via por toda parte árvores carregadas de frutos, e outras, de flores, enquanto ouvia o doce rumor dos regatos que corriam por ali. Comi daqueles frutos, que me pareceram excelentes, e bebi daquela água cristalina.
     Chegada a noite, deitei-me na grama num recanto confortável, mas meu sono não durou mais que uma hora, interrompido pelo temor de me encontrar num lugar tão deserto. E mais uma vez me recriminei pela imprudência de ter me aventurado numa nova viagem. Mas esses pensamentos negativos se desvaneceram quando o sol apareceu, convidando-me a caminhar entre as árvores, sem qualquer apreensão.
     Quando avancei mais para dentro da ilha, avistei à beira de um riacho um velho que me pareceu muito alquebrado. Pensei tratar-se de alguém que tivesse naufragado como eu. Aproximei-me e ele respondeu à minha saudação com uma simples inclinação de cabeça. Perguntei-lhe o que fazia ali, e ele, em vez de responder-me, fez sinal para que o carregasse nas costas para transpor o riacho. Acreditando que ele de fato precisava de ajuda, deixei-o montar nas minhas costas e assim atravessamos o riacho. Ao chegarmos à outra margem, disse-lhe que descesse, abaixando-me para facilitar-lhe a descida, mas, em vez de desmontar de mim (e rio todas as vezes que me lembro disto), o velho, que eu julgava decrépito, passou as duas pernas em volta de meu pescoço - e então percebi que sua pele lembrava o pelo de uma vaca - escarranchou-se nos meus ombros, apertando fortemente minha garganta a ponto de estrangular-me. Entrei em pânico e caí desmaiado.
     Não obstante meu desmaio, o incômodo velho permaneceu atracado a meu pescoço. Apenas afrouxou um pouco as pernas para que eu voltasse a respirar. Quando me refiz, ele comprimiu fortemente meu estômago com um dos pés e, com o outro, batia do lado, obrigando-me a me levantar. De pé, ele me fez caminhar sob as árvores, detendo-me para colher frutas para comer. Ele não me largou durante todo o dia, e quando, à noite, eu quis repousar, deitou-se no chão comigo, sempre preso a meu pescoço; Todas as manhãs ele me despertava e me fazia caminhar, levando-o às costas. Podem vocês calcular a meu tormento, sendo obrigado a carregá-lo, sem poder me livrar dele.
     Um dia achei no chão umas cabaças que haviam caído de uma árvore. Juntei a maior delas e espremi dentro o suco de uvas que havia em abundância na ilha. Quando a cabaça estava cheia, deixei-a num certo lugar e, dias depois, pedi ao velho que me levasse até lá. Peguei então a cabaça que estava cheia de excelente vinho. Bebi à vontade e, graças a ele, esqueci minhas desgraças. Revigorado, comecei a dançar e cantar. O velho, percebendo o bom efeito do vinho, também quis beber dele. Entreguei-lhe a cabaça, e ele sorveu todo o vinho, sem deixar uma só gota. Não demorou muito, estava bêbado. Soltei suas pernas de meu pescoço e deitei-o no chão, onde ele adormeceu. Então, peguei uma pedra enorme e esmaguei-lhe o crânio.

Fonte: http://www.sacred-texts.com/neu/lang1k1/tale20.htm

     Aliviado e alegre por me ver livre do maldito velho, caminhei em direção à praia, onde encontrei pessoas de um navio que acabara de aportar em busca de água potável. Elas ficaram muito surpresas de me verem ali e de ouvir minha aventura:
     - Caíste nas mãos do velho do mar - disseram-me, - e és o primeiro que consegue escapar dele. Esse velho quando pega alguém, não o larga mais até estrangulá-lo. Ele tornou esta ilha famosa pelo número de pessoas que matou. Os marinheiros e mercadores que aqui descem andam sempre em grupo para evitar cair nas mãos dele.
     Em seguida, levaram-me para o navio, cujo capitão se mostrou contente por me receber, especialmente depois que soube de minha história. Alçamos vela e, após alguns dias de viagem, aportamos numa grande cidade cujos edifícios eram todos de pedra.
     Um dos mercadores com quem fiz amizade insistiu em que eu o acompanhasse e me levou a uma pousada destinada aos mercadores estrangeiros. Ele me entregou o saco grande e apresentou a algumas pessoas da cidade que também tinham um saco igual ao meu e nos ordenou irmos apanhar cocos.
     - Vamos - disse-me ele, - faz o que te digo e te mantenhas junto dos outros, senão tua vida correrá perigo.
     Deu-me provisões para aquele dia e partimos. Chegamos a uma região coberta por palmeiras muito altas, de caule tão liso que era impossível subir por ele para colher os cocos que ficavam no alto. Ao chegarmos, vimos uma multidão de macacos grandes e pequenos que, com surpreendente agilidade, subiam nos coqueiros.
     Os mercadores que estavam comigo pegaram pedras e começaram a jogá-las contra os macacos no alto dos coqueiros. Eu fiz o mesmo, quando vi que os macacos, para responder à agressão, colhiam os cocos e os jogavam contra nós. Com esse estratagema, conseguimos juntar cocos suficientes para encher nossos sacos.
     - Continua - disse-me o amigo. - voltando aqui todos os dias, em breve ganharás, com a venda dos cocos, o suficiente para voltares à tua terra.
     Agradeci o bom conselho dele e de fato recolhi uma grande quantidade de cocos, que vendi por uma soma considerável.
     O navio em que eu tinha vindo partira com os mercadores e grande quantidade de cocos que haviam comprado. Esperei por um outro que aportou na cidade para receber um carregamento de cocos. Embarquei nele toda a carga de cocos que havia conseguido e quando estava prestes a partir fui encontrar o mercador a quem devia tantos favores. Ele não quis embarcar comigo, pois ainda não concluíra seus negócios.
     Fizemo-nos ao mar e tomamos a rota da ilha onde a pimenta cresce em abundância. De lá ganhamos a ilha de Comari, que tem a melhor madeira de aloés e cujos habitantes adotam uma lei inviolável de nunca beber vinho e não se permitir qualquer tipo de excesso. Troquei meus cocos por madeira de aloés e por pimenta e me voltei com outros mercadores à pesca de pérolas, contratando mergulhadores por minha conta. Consegui assim uma grande quantidade de pérolas graúdas e perfeitas. Embarquei contente num navio, que me conduziu a Balsora; de lá rumei para Bagdá, onde ganhei muito dinheiro com a venda da pimenta, da madeira de aloés e das pérolas que trazia comigo. distribuí em esmolas a décima parte do que ganhara, como o fizera depois das outras viagens, e tratei de descansar das fadigas entregando-me a toda espécie de divertimento.
     Tendo concluído seu relato, Simbad deu cem cequins a Hindbad, que se retirou junto com os outros convivas. No dia seguinte, eles estavam de novo em companhia do rico Simbad que, como nas vezes anteriores, depois da ceia, passou a contar-lhes a história de sua sexta viagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário