quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O Mercador e o Gênio

Hoje eu quero compartilhar a história do mercador e o gênio, extraída do livro As Mil e uma Noites: Contos Árabes (tradução Ferreira Gullar - 5. ed. - Rio de Janeiro: Revan, set. 2010. pag. 22-47).

O Mercador e o Gênio

     Havia em outros tempos um mercador que possuía grandes riquezas em escravos, terras, mercadorias e ouro. Obrigado de quando em quando a viajar para tratar de seus negócios, partiu um dia montado em seu cavalo, levando boa provisão de biscoitos e tâmaras para alimenta-se durante a travessia do deserto. Terminada sua tarefa, tomou o caminho de volta à sua casa.
     No quarto dia de caminhada, sentindo-se sufocado pelo calor do sol, buscou a sombra de umas árvores que divisou ao longe. Junto a uma delas havia uma fonte cristalina, e ali então desmontou para descansar.
     Sentou-se à margem do riacho e tirou do zurrão as provisões que lhe restavam. Depois de comer as tâmaras airou para os lados os caroços e, terminado seu lanche, lavou o rosto, as mãos e os pés, como bom muçulmano, e rezou sua oração de costume.
     Estava ainda ajoelhado quando lhe apareceu um gênio de enorme estatura, cuja cabeça estava coberta com a neve dos anos, e que, caminhando em sua direção, com a espada na mão, disse-lhe em tom assustador:
     - Levanta-te, porque vou te matar como fizeste com meu filho.
     Amedrontado com a figura do gênio e suas palavras ameaçadoras, o mercador respondeu:
     - Meu bom senhor! Que crime cometi para merecer tal castigo? Não conheço nem nunca vi jamais vosso filho.
     - Ah, é? E por acaso não acabas de jogar para os lados caroços de tâmaras?
     - Sim, não posso negar que fiz isso.
     - Pois bem - explicou o gênio, - meu filho, que passava junto a ti, foi atingido por um desses caroços no olho e caiu morto no mesmo instante. Não posso te perdoar e vou te arrancar a vida.
     - Misericórdia, senhor! - implorou o mercador diante de tão absurda acusação. Se matei vosso filho, foi sem querer e, por isso, mereço vosso perdão.
     O gênio, em vez de responder, agarrou o mercador e, derrubando-o no chão, ergueu a espada para cortar-lhe a cabeça, indiferente a seus apelos em nome da esposa e dos filhos.
     Quando o mercador viu que a espada descia em direção a seu pescoço, soltou um grito horrível e disse:
     - Por favor, esperai um pouco e ouvi-me! Já que estais disposto a matar-me, concedei-me um prazo para que possa despedir-me de minha família, fazer o testamento e acertar meus negócios. Juro pelo Deus do Céu e da Terra que aqui voltarei pontualmente para submeter-me a vossa vontade.
     - E de quanto tempo necessitas?
     - Peço-vos um ano de prazo, ao fim do qual me encontrareis junto a esta mesma árvore, disposto a entregar-vos a vida.
     - Juras por Deus?
     - Juro - respondeu o mercador, - e podeis confiar na verdade de meu juramento.
     O gênio, ao ouvir essas palavas desapareceu, e o mercador, mais tranquilo agora, montou no cavalo e continuou seu caminho. A mulher e os filhos o receberam com grandes demonstrações de alegria, mas o infeliz desandou a chorar pensando no fatal juramento que fizera. E terminou contando o que lhe acontecera na viagem. A mulher e os filhos não ficaram menos aflitos e, ao cabo de um ano, teve de partir. É impossível descrever o sofrimento de seus familiares no momento da despedida.
     Depois de muitas reflexões e inúteis palavras de consolo, desprendeu-se dos braços da esposa e dos filhos e dirigiu-se ao lugar onde ficou de encontra-se com o gênio. Postou-se sob a mesma árvore, perto do riacho cristalino e esperou por ele, com a tristeza de quem espera pela morte.
     Enquanto o mercador, abatido, esperava pelo gênio que iria matá-lo, apareceu um ancião com uma cerva. Saudaram-se um ao outro e o velho perguntou:
     - Irmão, por que vieste a este lugar perigoso e deserto só frequentado por espíritos malignos?
     O mercador contou-lhe a aventura que vivera e o ancião exclamou:
     - Trata-se realmente de uma situação terrível, uma vez que estás comprometido por um juramento. Gostaria de presenciar o teu encontro com o gênio.
     Ao dizer estas palavras, chegou outro ancião seguido de dois cães negros e lhes perguntou o que faziam naquele lugar. O velho da cerva satisfez-lhe a curiosidade e o recém-chegado decidiu ficar para testemunhar o que ia ocorrer. Surgiu, por sua vez, um terceiro ancião, que fez as mesmas perguntas dos anteriores e sentou-se entre os dois outros, disposto a assistir ao desfecho da lamentável aventura.
     De repente, viram à distância uma espécie de torvelinho de fumaça que rodopiava como se impulsionado pelo vento e que, quando deles se aproximou, dissipou-se, deixando ver a figura gigantesca do gênio. Este, de espada na mão, caminhou em direção ao mercador e lhe disse, tomando-o pelo braço:
     - Levanta-te, que vou te matar do mesmo modo como mataste meu filho.
     Quando o velho da cerva se convenceu de que o mercado ia de fato ser executado, jogou-se aos pés do gênio e disse:
     - Príncipe dos gênios! Rogo-vos humildemente que me escuteis antes de descarregar todo o peso de vossa cólera. Vou contar-vos minha história e desta cerva que vedes aqui. Se a achares mais surpreendente e maravilhosa que a aventura do mercador a quem quereis tirar a vida, aceitareis perdoá-lo do crime que cometeu?
     O gênio refletiu um instante e respondeu:
     - Está bem, aceitarei.
     O ancião disse para o gênio: - Esta cerva, senhor, é minha prima e também minha esposa. Tinha doze anos de idade quando me casei e, por isso, tomou-me como pai, parente e marido.
     A vontade de ter um sucessor me fez comprar uma escrava que me deu um filho. Minha mulher, muito ciumenta, tomou-se de profundo ódio pela escrava e pelo filho, mas ocultou seus sentimentos de tal modo que, quando me dei conta disso, era tarde demais.
     Quando meu filho completou dez anos de idade, tive que fazer uma viagem e o deixei, bem como a sua mãe, aos cuidados de minha esposa, pedindo-lhe que tratasse bem deles durante minha ausência, que se prolongou por um ano inteiro. Mas minha esposa, que se havia dedicado à magia, decidiu vingar-se daqueles inocentes transformando meu filho num bezerro e sua mãe, numa vaca. Feito isso, entregou-os a um lavrador para que os fizesse trabalhar como os animais de sua espécie. Ao regressar, ela me disse que o menino se perdera e sua mãe acabara de morrer. Muito me afligiu a perda da mãe, mas consolei-me com a esperança de algum dia reencontrar o menino.
     Oito meses se passaram sem que eu nada conseguisse, até que, chegada a festa do Bairam, ordenei ao lavrador que trabalhava em minhas terras que me enviasse a vaca mais gorda do estábulo para matá-la. Ele me trouxe a infeliz escrava. No momento de sacrificá-la, começou a mugir de modo estranho e de seus olhos escorriam lágrimas. Aquilo me comoveu e então pedi que a trocassem por outra vaca, a que se apôs minha mulher, já que queria a todo transe satisfazer sua cruel vingança. Já me dispunha a desfechar o golpe mortal, mas a vaca começou a mugir de novo e mais uma vez me faltou coragem para sacrificá-la. Disse então ao lavrador que o fizesse e ele o fez. Vimos, então, que a vaca, apesar de sua aparência robusta, era só pele e ossos. Tomado de profundo pesar, dei-a ao lavrador e disse-lhe que me trouxesse um bom bezerro, no que fui logo atendido.
     Embora ignorasse que o bezerro era meu filho, ao vê-lo meu coração começou a bater forte. O animalzinho rebentou a corda para aproximar-se de mim, deitou-se a meus pés, me lambeu as mãos e me olhou de tal modo que me comoveu. Por essa razão, em vez de matá-lo, mandei levá-lo de volta ao estábulo. Minha mulher se enfureceu pois queria a todo custo que o sacrificasse como fizemos com a vaca. Mas minha compaixão foi maior que sua insistência e sua zanga, de modo que, para acalmá-la, prometi sacrificar o bezerro no ano próximo.
     Na manhã seguinte, o lavrador me procurou e me disse reservadamente:
     - Venho dar-te uma notícia muito interessante. Tenho uma filha que domina a arte da magia e ela me disse que aquele bezerro é teu filho e que a vaca que sacrificamos ontem era a mãe dele. Quem os transformou nesses animais foi tua esposa, que os odiava.
     - Julgai, oh gênio!, qual foi minha dor e minha surpresa ao ouvir essas palavras. Fui correndo ao estábulo onde se encontrava meu filho e, ainda que não pudesse corresponder a meus afagos, recebeu-os de um modo que me persuadiu de sua verdadeira identidade. Então chegou a filha do lavrador e lhe perguntei, ansioso, se poderia restituir meu filho a sua forma natural.
     - Claro que posso - respondeu-me ela.
     - Se o fizeres, serás dona de tudo o que possuo.
     - Não posso pedir-te tanto - disse-me ela, - mas te imponho duas condições: a primeira, que me dês teu filho como esposo e, a segunda, que me permitas castigar a pessoa que o transformou em bezerro.
     - Com muito gosto, concordo com a primeira condição a admito a segunda, desde que não tires a vida de minha mulher - respondeu ele.
     A jovem pegou um copo cheio d'água, pronunciou algumas palavras cabalísticas e em seguida, dirigindo-se ao bezerro, exclamou:
     - Se foste criado por Deus Todo Poderoso na forma que tens hoje, fica neste estado; mas, se és gente e se te encontras assim por ato de feitiçaria, recupera tua forma primitiva pela vontade do Divino Criado.
     Derramou o copo d'água sobre o bezerro e, num instante, tive entre meus braços meu adorado filho, que logo aceitou tornar-se esposo da jovem que o tirou de tão desgraçada situação. Minha mulher foi transformada em cerva e é esta que vês aqui. Escolhi essa forma animal para que não se tornasse tão desagradável sua presença no seio da família.
     Mais tarde, meu filho enviuvou e foi viajar. E como faz muito tempo que não tenho notícias dele, saí a procurá-lo levando comigo minha mulher. Esta é minha história e da cerva. Não é maravilhosa, como vos havia dito?
     - Tens razão - disse o gênio, - e como recompensa te concedo a terça parte do perdão que solicitaste para o mercador.

Fonte: http://umsochamado.com/2010/08/23/como-a-corca-anseia-por-agua-assim-tenho-sede/

     O segundo ancião, que conduzia os dois cães negros, dirigiu-se ao gênio e lhe disse:
     - Agora vou contar o que sucedeu a mim e a estes dois cães que me acompanham, e estou certo de que me concederíeis outra terça parte do perdão ao mercador.
     - Sim, concederei - disso o gênio, - desde que tua história seja mais interessante que a da cerva.

     - Sabeis, grande príncipe dos gênios - disse o velho, - que somos três irmãos, estes dois cães que vedes aqui e eu, que sou o terceiro. Nosso pai, ao morrer, deixou a cada um mil cequins, e com esse dinheiro abraçamos os três a mesma profissão de mercado. Algum tempo depois de abrir seu negócio, um dos irmãos quis comerciar no estrangeiro, levando consigo muita mercadoria.
     Um ano duru sua ausência. Ao fim desse tempo, apareceu à porta de minha tenda um pobre pedindo esmola, era ele. Abracei-o e fiz entrar. Pedi-lhe que me falasse de sua viagem e de sua situação.
     - Prefiro não falar sobre isso tantas foram as desgraças que caíram sobre mim - respondeu.
     Com pena dele, lhe dei roupas novas e um montante de mil cequins, ou seja, a metade da fortuna que possuía, com o quê pôde retomar seus negócios, e vivemos juntos por algum tempo.
     Pouco depois, meu segundo irmão também quis viajar. Fizemos o que nos foi possível para dissuadi-lo, mas foi inútil, e ao fim de um ano voltou na mesma situação que o irmão mais velho. Dei-lhe três mil cequins que ganhei de lucro durante sua ausência, ele abiu uma nova tenda e voltou a comerciar.
     Ignorando a desastrada experiência anterior, os dois me convidaram a empreender com eles uma viagem para comerciar no estrangeiro, a que me neguei decididamente. Mas depois de cinco anos de insistência, acedi a seus desejos e tratamos de comprar as mercadorias necessárias. Foi quando me disseram que não tinham dinheiro.
     Nenhuma palavra de recriminação saiu de meus lábios, e como era dono de seis mil cequins, dei mil a cada um deles, separei igual quantia para mim e enterrei o restante em lugar seguro para prevenir-me contra as eventualidades que poderiam advir de nosso empreendimento. Fretamos um barco e demos início à viagem.
     Após navegarmos dois meses, chegamos a um porto onde vendemos nossas mercadorias com tal lucro que, só eu, aumentei meu capital em mil por cento. Ali compramos gêneros e produtos daquele país para voltarmos a nossa pátria quando encontrei numa praia uma linda mulher, pobremente vestida.
     Ela se aproximou de mim, beijou-me a mão e me implorou que a deixasse embarcar em nosso navio. Eu não apenas consenti nisso, como, cativado por sua beleza e seu porte, casei-me com ela, poucos dias antes de nos fazermos ao mar.
     Durante a viagem, descobria a cada dia novas qualidade em minha esposa e assim foi aumentando meu carinho por ela. Meus irmãos, ao verem que a felicidade me sorria, tomaram-se de inveja e a tal ponto que passaram a conspirar contra minha vida. Uma noite, quando eu e minha esposa dormíamos, jogaram-nos ao mar.
     Felizmente, minha mulher era uma fada e me salvou da morte certa. Disse-me então que adotara aquele disfarce de pobre para pôr à prova minha bondade.
     - Estou contente contigo - disse-me ela, - mas é preciso castigar os teus cruéis irmãos, fazendo naufragar o navio em que viajam. Roguei que não fizesse isso, pois gostaria de ser com eles tão generoso quanto havia sido até então.
     Ela terminou cedendo a minhas súplicas, transportou-me até minha casa e desapareceu em seguida. Desenterrei o dinheiro que guardara e abri a tenda, que se encheu de fregueses e vizinhos que foram me felicitar por ter voltado.
     Ao entrar no pátio de minha casa encontrei estes dois cães negros que me olharam com submissão e humildade. Ignorava de onde tinham vindo aqueles animais, quando minha esposa veio dizer-me que uma de suas irmãs, feiticeira com ela, havia afundado o navio onde iam meus ingratos irmãos e os transformara em animais irracionais, para que nessa condição vivessem durante dez anos, como castigo por sua traição.
     Ela passou alguns dias comigo e depois desapareceu de novo, dizendo-me o lugar onde poderia encontrá-la. Havendo passado os dez anos, dirigia-me ao encontro de minha esposa, quando encontrei aqui o mercador e o velho com a cerva, e me detive para lhes fazer companhia. Esta é minha história, oh príncipe dos gênios, e espero que lhe tenha parecido extraordinária.
     - Admito que sim - disse o gênio, - e te concedo o segundo terço do perdão que pedes para o mercador.
     O terceiro ancião tomou a palavra e pediu ao gênio a mesma graça que seus antecessores, isto é, que perdoasse o mercador da outra terça parte da pena, se a história que ia contar lhe parecesse mais extraordinária e curiosa do que as duas que ouvira antes.
     O gênio concordou.

Fonte: http://vejasp.abril.com.br/blogs/bichos/2014/03/cachorros-pretos-fotografo/

          - Sou filho único de um rico mercador de Surate, - começou o terceiro ancião. - Em pouco tempo, após a morte de meu pai, dissipei a maior parte dos bens que ele me havia deixado e estava a ponto de gastar o restante com os amigos, quando convidei para cear comigo um forasteiro de passagem pela cidade. A certa altura conversamos sobre viagens.
     - Se fosse possível ir de um extremo a outro da terra sem ter de enfrentar tropeços desagradáveis - disse-lhe, rindo, - sairia hoje de Surate.
     - Malek - disse-me o forasteiro, - se queres viajar, posso ensinar-te um modo de o fazer com a maior comodidade.
     Terminada a ceia, chamou-me à parte para dizer-me que na manhã seguinte voltaria a visitar-me. E assim o fez.
     - Quero cumprir minha palavra - disse-me. - Manda um escravo buscar um carpinteiro e me tragam algumas tábuas.
     Com as tábuas o carpinteiro fez, com a ajuda do forasteiro, uma caixa de dois metros de comprimento por um e meio de largura. Terminada a caixa, o forasteiro a cobriu com um tapete da Pérsia e mandou que a levassem a um descampado. Pediu que os escravos se retirassem e, estando a sós comigo, de repente a caixa levantou voo e sumiu nas nuvens. Depois desceu e pousou a meus pés.
     - Vês que é um veículo bastante cômodo - disse ele, acrescentando que o recebesse como um presente seu. - Assim podes realizar as viagens que quiseres a qualquer parte do mundo.
     Agradeci o presente e, dando-lhe uma bolsa cheia de dinheiro, perguntei como se punha o veículo em movimento.
     - Eu te mostrarei - respondeu, fazendo-me entrar na caixa com ele. Tocou em um parafuso e logo estávamos voando.
     - Movendo este parafuso - explicou, - a caixa vira para a direita e, girando este outro, toma a direção contrária. Para subir, basta que toques nesta mola e, para descer, é só tocar nesta outra.
     Depois de várias demonstrações, fez a caixa tomar a direção de minha casa e pousamos em meu jardim. O forasteiro despediu-se de mim e então guardei a caixa em um dos cômodos da casa.
     Continuei minha vida de farras com os amigos até consumir quase tudo o que possuía. Tomei dinheiro emprestado e em consequência disso tive que enfrentar muitas complicações. Recorri então à minha caixa: pus nela víveres, peguei o dinheiro que me restava, a levei secretamente para o jardim e levantei voo, indo assim para longe de meu país e de meus credores.
     Durante toda a noite voei com o máximo de velocidade e ao despontar do dia, olhei por um buraco da caixa e só vi montanhas, precipícios e campos desertos. Continuei voando por todo aquele dia e à noite, até amanhecer, quando me vi sobre um espesso bosque junto ao qual havia uma pequena cidade. Detive-me para contemplar a cidade e especialmente um magnífico palácio que ali havia; próximo divisei um camponês que lavrava o solo. Desci no bosque e ali deixei a caixa. Aproximei-me do camponês e perguntei-lhe como se chamava aquela cidade.
     - Jovem - respondeu-me ele, - vê-se logo que és estrangeiro, já que ignoras chamar-se Gazna esta cidade, residência do bom e valoroso rei Bahaman.
     - E quem mora naquele palácio?
     - O rei de Gazna, que o fez construir para nele encerrar a princesa Scirina, sua filha, pois, segundo o horóscopo, será enganada por um homem.
     Agradeci ao camponês por suas informações e me dirigi à cidade. Perto de suas portas, ouvi um grande barulho e em seguida vi saírem vários ginetes, magnificamente vestidos e montados em belíssimos cavalos ricamente ajaezados.
     No meio daquela esplêndida comitiva ia um homem de elevada estatura que ostentava uma coroa de ouro na cabeça e um traje coberto de pedrarias, de tal modo que ele próprio parecia um enorme diamante. Supus que era o rei de Gazna e logo me inteirei de que não me havia enganado.
     Percorria pensativo a cidade, quando de súbito me lembrei de minha caixa que havia abandonado no bosque, e só me tranquilizei quando, de volta ao lugar onde a deixara, verifiquei que não haviam roubado.
     Após consumir as provisões que me restavam, decidi passar a noite ali. Mas não consegui dormir: não parava de pensar na princesa Scirina a que se referira o camponês. Imaginava-a uma mulher formosa como jamais vira outra na vida e, de tanto nela pensar, tive vontade de tentar a sorte. Disse-me que seria necessário transportar-me ao terraço do palácio e penetrar no quarto da princesa. Pode ser que eu agrade a ela, quem sabe?
     Sem demora, entrei na caixa, passei sem ser visto por sobre a cabeça dos soldados que montavam guarda ao edifício e desci sem dificuldades num dos terraços do palácio. Tomando cuidado para não fazer ruído, deslizei por uma janela e encontrei-me num quarto, adornado com riquíssimos tapetes, onde, recostada num divã, dormia a princesa Scirina, deslumbrante de beleza. Aproximei-me dela cautelosamente e caí de joelhos a seus pés, beijando-lhe com paixão sua linda mão. A princesa acordou sobressaltada e, ao ver um homem junto a ela, soltou um grito. Logo acorreu sua aia, que dormia no quarto ao lado.
     - Mahpeiker - disse Scirina, - como pôde este homem entrar em meus aposentos? És, por acaso, cúmplice dele?
     A aia, ofendida com essa suspeita, jurou que nunca me vira e, mesmo que quisesse favorecer-me em minha audácia inaudita, como poderia burlar a vigilância dos guardas que rodeiam o castelo? E como teria podido abrir as vinte e quatro portas de aço, seladas com as armas do rei, para trazer-me até ali? Na verdade, não sabia explicar como pudera eu vencer todos aqueles obstáculos.
     Foi aí que me ocorreu a ideia de me fazer passar pelo profeta Maomé.
     - Formosa princesa - disse eu, - não vos assusteis e vós, tampouco, Mahpeiker, de ver-me aqui. Sou o profeta Maomé, e não posso deixar de compadecer-me, princesa, por saber que passais os mais belos anos de vossa existência encerrada neste cárcere. Venho, pois, para desmentir a predição que tanto assusta a Bahaman, vosso pai. Estejais tranquila e vos alegreis pois sereis esposa de Maomé. Assim que se divulgue a notícia de vosso casamento todos os reis temerão o sogro do profeta e todas as princesas vos invejarão.
     Scirina e Mahpeiker acreditaram no que lhes disse. Passei toda a noite em companhia da filha do rei de Gazna. Ao despedir-me dela, prometi-lhe voltar no dia seguinte.
     Regressei então ao  sem ser notado pelos soldados e, quando o sol já estava alto no horizonte, me dirigi para a cidade, onde comprei roupas luxuosas, um turbante de tecido das Índias, com fios de ouro, um rico cinturão, além de essências perfumes, empregando nessas compras todo o dinheiro que possuía. Passei o resto do dia no bosque, vestindo-me e me perfumando. Quando anoiteceu, meti-me na caixa e voei para os aposentos de minha amada.
     Scirina me aguardava impaciente. Ao me ver exclamou:
     - Oh, grande profeta! Temi que houvésseis esquecido de vossa esposa! Mas, dizei-me, por que tendes esse aspecto de jovem? Imaginava que Maomé fosse um ancião de longas barbas brancas.
     - E não vos enganais - respondi-lhe, - pois esse é o aspecto com que apareço aos fiéis que são merecedores de tanto bem; mas acreditei que vos agradaria mais sob esta aparência de jovem.
     Ao amanhecer, abandonei o palácio para voltar à noite, e continuei minhas visitas, sem que Scirina e sua aia de nada suspeitassem.
    Transcorridos vários dias, o rei de Gazna visitou o palácio e, como todas as portas estavam fechadas e o selo intacto, disse, cheio de satisfação aos cortesãos que o acompanhavam:
     - Melhor não poderia estar! Enquanto todas as portas do palácio continuem como estão, não tenho por que temer a desgraça que paira sobre minha filha.
     Subiu, então, o rei ao quarto de Scirina que, ao vê-lo, mostrou-se perturbada. O rei, notando o nervosismo da filha, perguntou-lhe o motivo daquilo, o que a deixou ainda mais nervosa. Como ele insistisse nas peguntas, ela terminou cedendo e contou-lhe o que ocorria. Tal não foi a surpresa do rei de Gazna ao saber que, sem nunca o ter sonhado, era agora sogro de Maomé!
     - Que absurdo me dizes, filha minha! Como podes ser tão ingênua? Ah, deuses - exclamou, - vejo que é completamente inútil opor-se a vossos desígnios! A predição se cumpriu; um traidor seduziu minha Scirina!
     Dito isso, saiu furioso do aposento da filha e vasculhou todos os cantos do palácio à procura do rastro do sedutor; mas nada descobriu.
     - Por onde? - perguntava por onde pode ter entrado esse atrevido? Confesso que não sei o que pensar!
     Bahaman resolveu passar a noite no palácio, e submetendo a princesa a novo interrogatório, qis saber se ela havia ceado comigo.
           - Não - respondeu Scirina, - jamais admitiu alimentar-se ou beber licores em minha companhia.
     Afinal anoiteceu, e o rei de Gazna, sentado num divã, mandou que se acendessem todas as luzes do aposento de sua filha e desembainhou o alfanje disposto a lavar com sangue a sua honra ultrajada.
     Um relâmpago atingiu o olhar de Bahaman, que se precipitou para a janela por onde, segundo lhe dissera a filha, eu entrava todas as noites. Olhou o céu e como estivesse todo ele cor de fogo, tomou-se de terrível espanto. Isto me favoreceu, pois, quando apareci na janela, Bahaman, que se achava ainda dominado pelo susto, em vez de avançar sobre mim e decapitar-me, deixou cair o alfanje. Prostrou-se a meus pés e disse, ao mesmo tempo que me beijava as mãos:
     - Oh, grande profeta! Que fiz eu para merecer a honra de ser vosso sogro?
     - Poderoso rei - respondi, fazendo-o erguer-se, - sois vós, entre todos os muçulmanos, o que mais fé tem em mim e, portanto, aquele a quem mais quero. Na tábua fatal, estava escrito - e nossos astrólogos o leram perfeitamente - que vossa filha havia de ser seduzida por um homem. Mas roguei ao Altíssimo Alá que vos livrasse de semelhante desgraça e Alá me ouviu, mas com a condição de que Scirina se tornasse minha esposa.
     O tolo príncipe acreditou no que lhe disse e transtornado de prazer por se ter tornado parente do profeta, voltou a jogar-se a meus pés em sinal de gratidão. De novo o fiz erguer-se e lhe garanti que não lhe faltaria minha proteção enquanto se mantivesse dela merecedor, e ele se foi deixando-me a sós com sua filha.
     Nesse mesmo dia ocorreu um fato que só veio confirmar a crença que tinha em mim o rei de Gazna. Ao voltar para a cidade, desencadeou-se uma furiosa tempestade, fazendo com que, espantado pelo clarão dos relâmpagos, o cavalo de um dos cortesãos se assustasse, jogando-o por terra. Esse cortesão, que havia feito pouco do que dissera o rei a respeito do casamento de sua filha com Maomé, na queda quebrou a perna. O que levou o rei a dizer-lhe:
     - Vês, amaldiçoado? O profeta puniu a tua incredulidade!
     Levaram  ferido para sua casa, e quando Bahaman chegou ao palácio, ordenou que se promovesse uma grande festa em honra de Maomé e de sua filha Scirina.
     - Viva Bahaman, sogro do profeta! - gritava o povo entusiasmado.
     Ao anoitecer, abandonei a cidade, voltei ao bosque e, a bordo de minha caixa, me transportei aos aposentos da princesa.
     - Formosa Scirina - disse-lhe, assim que cheguei ao seu lado, - um cortesão de vosso pai atreveu-se a duvidar de que estejais casada com Maomé. Para castigá-lo, desencadeei uma tempestade que espantou seu cavalo e o jogou no chão quebrando-lhe a perna.
     No dia seguinte, o rei de Gazna reuniu o Conselho e propôs irem todos juntos pedir perdão a Maomé em desagravo à incredulidade do cortesão que tão caro havia pago por sua falta. E assim o fizeram.
     - Scirina - disse o rei, - vimos suplicar-te para que intercedas junto ao profeta por um homem que já recebeu o merecido castigo.
     - Se do que se trata, senhor - respondeu a princesa, - pois Maomé já me informou do ocorrido.
     Todos os ministros se convenceram de que Scirina era realmente a esposa do profeta e, prostrados a seus pés, rogaram-lhe que intercedesse pelo desgraçado cortesão e por eles. A princesa prometeu atendê-los.
     Enquanto isso, minhas provisões tinham acabado e, como havia gasto todo meu dinheiro com roupas e perfumes, não sabia como comprar alimentos. Ocorreu-me então uma ideia que pus em prática aquela mesma noite, ao encontra-me com Scirina. Disse-lhe:
     - Esposa minha, esquecemos uma formalidade em nosso casamento: não me deste o dote que me é devido. Mas como não o desejo e sim, apenas, cumprir uma formalidade, bastará que me dês uma de tuas joias.
       A princesa quis me dar todo o seu tesouro, mas contentei-me com dois diamantes grandes que no dia seguinte vendi na cidade.
     Um mês se passara desde que me convertera em profeta quando chegou um embaixador que, em nome de seu soberano, vinha pedir a mão de Scirina. O rei respondeu-lhe que não podia atender ao pedido, uma vez que sua filha estava prometida ao profeta Maomé. Ao ouvir essas palavras,,, o embaixador pensou que Bahaman havia perdido o juízo. Despediu-se e voltou a seu país. Ao relatar o que ocorrera, o rei foi da mesma opinião que seu embaixador acerca do estado mental de Bahaman mas, pensando melhor, considerou que aquela negativa continha uma ofensa imperdoável e, por isso, convocou seu exército e invadiu o reino de Gazna.
     Aquele rei se chamava Cacem, e Bahaman, que era menos forte que ele, fez seus preparativos militares, mas com tal lentidão que não conseguiu deter o avanço do inimigo. Vendo-se perdido, Bahaman reuniu o Conselho do reino e, nessa ocasião, o cortesão que quebrara a perna durante a tempestade falou:
     - Surpreende-me que o rei se mostre tão assustado neste momento. Que mal podem causar todos os príncipes reunidos ao sogro do profeta Maomé?
     - Tens razão - admitiu Bahaman, - é a Maomé que devemos nos dirigir.
     Dito isto foi ao encontro de Scirina. Diante do apelo do pai, ela prometeu fala com o marido para que intercedesse em defesa dele. Nervoso, Bahaman estranhou que, sendo tarde da noite, o profeta ainda não tivesse chegado. - Será que nos abandonou? - perguntou.
     - Não, querido pai, ele vê do alto o exército que nos ameaça e talvez neste momento certamente já o desbaratou levando pânico aos nossos inimigos.
     Efetivamente era isso o que eu, o suposto profeta, desejava fazer. Tendo observado durante todo o dia o exército de Cacem e especialmente o quartel-general do rei, enchi de pedras grandes e pequenas minha caixa, levantei voo e me detive em cima da tenda real. Os soldados dormiam a sono solto e isso me permitiu descer até uma abertura da tenda através da qual vi Cacem estendido sobre ricas peles. Atirei-lhe uma pedra com tal pontaria que o atingi gravemente no meio da testa. O rei soltou um grito que acordou os guardas, os quais acudiram para proteger seu soberano. Aproveitei para subir nos ares e deixar cair uma chuva de pedras sobre a tenda e os que a rodeavam. Então o pânico se apoderou de todo o exército de Cacem que, tomado de pavor, fugiu precipitadamente, deixando para trás tendas e equipagens.
     - Maomé nos extermina! Estamos perdidos - gritavam os soldados, enquanto fugiam.
     Bahaman, surpreso de ver que o inimigo levantara o cerco, perseguiu-o com sua melhor tropa e, depois de exterminá-lo, capturou o rei Cacem.
     - Por que invadiste meu reino? - perguntou-lhe Bahaman.
     - Supus que te negavas a me dar tua filha por esposa - respondeu Cacem, - com a intenção de ofender-me. Não podia acreditar que tinhas como genro o profeta Maomé. Mas agora já ão o duvido, pois o que me sucedeu só pode ter sido obra dele.
     Em todas as mesquitas se fizeram celebrações para dar graças ao profeta que havia derrotado os inimigos de Gazna. Bahaman então foi ao encontro de Scirina, dizendo que queria manifestar a Maomé a sua enorme gratidão. O que pôde fazer em seguida, ao me ver chegar. Beijou-me os pés e exclamou:
     - Oh, grande profeta! Não sei como expressar-vos o que sinto!
     Fi-lo erguer-se e carinhosamente, beijei-lhe a fronte.
     - Príncipe - disse-lhe eu, - podíeis supor que eu vos abandonaria em tal situação? Castiguei o orgulho de Cacem, que desejava tomar o vosso reino e encarcerar Scirina em seu harém.
     Dois dias depois do enterro de Cacem, o rei de Gazna decretou a realização de grandes festejos para comemorar, não só a vitória sobre o inimigo, mas também o casamento de Maomé com a princesa Scirina.
     Achei então que deveria dar novas mostras de meu poder prodigioso e, para isso, comprei na cidade uma boa quantidade de breu, pólvora e pavios, com que preparei fogos de artifício. Chegada a noite, entrei em minha caixa e sobrevoei a cidade e, nas ruas onde havia mais gente festejando, acendi as mechas e consegui efeito mais espetacular do que imaginava lograr.
     No dia seguinte, porém, deparei com um incêndio no bosque. Fui até lá e encontrei minha caixa pegando fogo. Tudo consequência de alguma fagulha provocada por meus fogos de artifício. Seria impossível dizer-vos qual não foi o desespero e desânimo que se apoderaram de mim. Mas não havia remédio, e tinha que tomar uma decisão que não podia ser outra senão ir tentar a sorte em outro lugar. Assim, o profeta Maomé deixou o reino de Gazna.
     Depois de caminhar três dias, topei com uma caravana de mercadores do Cairo que voltavam à sua terra e me juntei a eles. No Cairo me tornei mercador, percorri vários países e cidades, sem esquecer o passado. Finalmente, velho e cansado, cheguei aqui onde encontrei o desgraçado a quem vós, príncipe dos gênios, quereis tirar a vida.
     Mal o terceiro ancião terminou sua história, o gênio perdoou o mercador da última parte de sua pena e desapareceu. O pobre mercador, feliz da vida, agradeceu a seus salvadores e retornou a sua terra, onde, ao lao da mulher e dos filhos, viveu tranquilamente o resto de seus dias.

2 comentários:

  1. Eu tava escrevendo história aí quando eu fui lendo meu livro cristões entregasse mais gosta de saber deles tudo lá aí apareceu lá no livro eu fui ler aí terminar termine o final dessa história eu peguei fui terminar moças história muito legal só que eu botei lá eu botei bem assim no livro ele pegou e voltou para a árvore lá ele Esperou o gênio gênio apareceu e disse que não ia notar por matar Porque só queria que ele soltasse os escravos e aprendesse a dividir os bens mais importantes da sua vida aí o Mercador disse mas seu filho morreu mesmo não eu não tenho eu não tenho filho eu não vou vou te matar eu queria que você aprendesse a ser bom porque pessoas boas vive mais hiper e do que pessoas não entendem menos

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