terça-feira, 3 de março de 2015

Os Corvos e o Soldado

Hoje eu quero compartilhar a história dos Corvos e o Soldado, dos irmãos Grimm, extraída do livro Contos de Grimm volume 2 - O Príncipe Sapo e outras histórias (tradução Zaida Maldonado - vol. 255. Porto Alegre: L&PM, 2012. pag. 64-68).

Os Corvos e o Soldado
Jacob e Wilhem Grimm

     Um soldado de valor havia poupado bastante dinheiro de seu soldo, pois trabalhara duro e não gastara tudo que ganhara comendo e bebendo como muitos o fazem. Ora, ele tinha dois camaradas, grandes malandros, e esses dois queriam roubar-lhe o seu dinheiro, mas comportavam-se com ele como se fossem seus grandes amigos.
     - Companheiro - um dia lhe disseram -, por que haveríamos de ficar aqui nesta cidade como prisioneiros, quando ao menos tu ganhaste dinheiro o bastante para viver o resto de teus dias com paz e fartura em casa junto à lareira?
     Com tal frequência os dois assim discursavam que, por fim, o soldado decidiu-se a partir e tentar sua sorte com eles. Mas todo o tempo os falsos amigos não pensavam em outra coisa a não ser em como iriam conseguir arrancar-lhe o seu dinheiro.
     Quando haviam viajado um pequeno trecho, os dois malandros, sabendo que o que afirmavam não era verdade, disseram:
     - Devemos seguir pela estrada da direita, já que ela leva com mais rapidez a uma nova região onde estaremos seguros.
     - Não, amigos - corrigiu o soldado -, esta estrada nos levará de volta à cidade da qual viemos; devemos seguir pela estrada da esquerda.
     Logo que o soldado assim falou, os dois começaram a discutir com ele, dizendo:
     - Por que te dás esses ares de sabido? Tu nada entendes de estradas!
     E com isso, os dois caíram sobre o soldado, derrubando-o e batendo em sua cabeça até o cegarem. Depois roubaram todo o dinheiro que trazia nos bolsos e o arrastaram até uma forca ali perto, onde o prenderam firmemente. Então, retornaram à cidade. Mas o pobre cego não sabia onde estava; tateou à sua volta e descobriu estar preso a uma larga tora de madeira que pensou ser uma cruz. - "Afinal, foram gentis em me deixar debaixo de uma cruz. Assim, os céus me guiarão" - pensou o soldado e, erguendo a cabeça, começou a rezar.
     Quando anoiteceu, ouviu um barulho de asas sobre sua cabeça. Eram três corvos que, havendo circulado aqui e ali, finalmente pousaram na forca para descansar. Logo, logo, começaram a conversar e o homem ouviu um dele que perguntava:
     - Irmão, qual a melhor notícia que tens hoje?
     - Ah, se os homens soubessem o que sabemos! - o outro suspirou. - A princesa está doente, e o rei jurou casá-la com quem quer que a possa curar; mas isso ninguém conseguirá, pois homem algum sabe que ela só ficará boa se ingerir as cinzas daquela flor ali adiante.
     - De fato - o outro corvo concordou -, se os homens soubessem o que sabemos! Esta noite caiu dos céus um orvalho de poder tão milagroso que se um cego lavasse os olhos com ele veria novamente.
     E o terceiro corvo disse:
     - Ah, se os homens soubessem o que sabemos! Apenas uma pessoa precisa da flor; alguns poucos precisam do orvalho; mas há uma enorme necessidade de água na cidade, pois todos os poços secaram, e ninguém desconfia que é só tirar a grande pedra quadrada da praça do mercado e debaixo dela cavar, para a mais pura água começar a jorrar.

Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/economia/91546/Os-corvos-do-contra-gritam-Ficar%C3%A3o-para-tr%C3%A1s.htm

     Quando os três corvos terminaram essa conversa, o soldado ouviu-os voando em círculos mais uma vez e depois se indo para longe. Muito intrigado com o que ouvira e exultando ao pensar em ter a sua visão de volta, tentou com toda a sua força soltar-se; por fim, conseguiu se libertar, apanhou um punhado de grama do chão e esfregou nos olhos o orvalho que nela caíra. De imediato recobrou a visão e pôde ver, sob o luar e a luz das estrelas, que estivera debaixo de uma forca e não de uma cruz, como antes imaginara. Então coletou em uma garrafa o máximo de orvalho que conseguiu para levar consigo, e olho em volta até encontrar a flor que ali perto crescia; e quando já havia queimado a flor e guardado as suas cinzas, partiu em direção da corte do rei.
     Ao chegar no palácio, disse ao rei que viera para curar a princesa; e depois da princesa tomar as cinzas e ficar curada, o soldado a exigiu por esposa como fora prometido. Mas o rei, examinado-o e vendo que suas roupas eram pobres, não quis cumprir sua promessa e decidiu livrar-se dele, dizendo:
     - Quem quer que deseje a princesa por esposa deve encontrar água o bastante para esta cidade, que neste verão enfrenta uma enorme seca.
     Então, o soldado aconselhou às pessoas da cidade que levantassem a grande pedra quadrada na praça do mercado e cavassem debaixo dela para encontrar água. E quando elas o fizeram, uma fonte pura surgiu com bastante água para prover a toda cidade. E portanto o rei não mais pôde negar-lhe a filha, e os dois se casaram e viveram felizes juntos.
     Tempos depois, passeando um dia pelos campos, o homem deparou-se com os seus dois companheiros traidores, que tão mal o haviam tratado. Embora os dois não soubessem quem ele era, ele de imediato os reconheceu e aproximando-se deles lhes disse:
     - Aqui estou; sou aquele antigo companheiro que apanhou, foi roubado e depois abandonado cego. Os céus venceram transformando todas as maldades a mim feitas em boa sorte.
     Isso ouvindo, os dois jogaram-se aos pés dele implorando perdão; e como ele tinha um bom coração, perdoou-os, levou-os para o palácio, alimentou-os e os vestiu, Depois lhes contou tudo que com ele acontecera e como conquistara as honras das quais agora desfrutava. Acabando de ouvir a história, os dois invejosos pensaram: - "Por que não irmos nós também nos sentarmos sob a forca uma noite? Poderemos ouvir algo que igualmente nos trará boa sorte."
     Na noite seguinte, os dois fugiram e, quando já estavam sentados sob a forca há algum tempo, ouviram um barulho de asas sobre as suas cabeças. E os três corvos vieram e se empoleiraram na forca.
     - Irmãos - um deles falou -, alguém deve ter nos ouvido, pois todo o mundo comenta as maravilhas que aconteceram. A princesa foi curada. A flor colhida e queimada. Um cego recobrou sua visão. E uma nova fonte foi aberta que abastece toda a cidade com água. Vamos procurar ao nosso redor. Talvez encontremos quem escuta nossas conversas ainda aqui por perto,, e quando o encontrarmos, este alguém se arrependerá.
     Então os corvos esvoaçaram por aqui e por ali e logo descobriram os dois homens, Partiram furiosos para cima dos dois, batendo neles com as suas asas e picando-os com seus bicos até os deixarem cegos e quase mortos, prostrados ao chão debaixo da forca. O dia seguinte se passou e os dois não retornaram ao palácio. Então o homem, preocupado, saiu pela manhã a procurar por eles. Por fim os encontrou, onde jaziam, recompensados daquele modo terrível por suas tolices e maldades.

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