quinta-feira, 12 de março de 2015

A História de Simbad, o Marujo

Hoje eu quero compartilhar o começo da História de Simbad, o Marujo, extraída do livro As Mil e uma Noites: Contos Árabes (tradução Ferreira Gullar - 5. ed. - Rio de Janeiro: Revan, set. 2010. pag. 57-60). Contaremos com um total de oito postagens (uma introdução apresentando nossos personagens e sete postagens relatando as sete viagens do marujo) para narrar toda a história. Divirtam-se!

A História de Simbad, o Marujo

     Sob o reinado do califa Harun Alraschid, vivia em Bagdá um pobre carregador que se chamava Hindbad. Num dia de calor excessivo, ele teve de levar uma carga muito pesada de uma extremidade a outra da cidade. A certa altura do percurso, sentindo-se extenuado e faltando ainda muito do caminho por percorrer, foi dar a uma rua onde soprava uma brisa fresca e perfumada. Parou em frente a um casarão, pôs no chão a carga que levava e sobre ela se sentou.

Fonte: http://www.heritage-history.com/?c=read&author=steedman&book=arabian&story=sailor

     Logo verificou que escolhera um bom lugar para repousar, pois um cheiro delicioso de aloés e pastilhas vinha das janelas da casa, juntamente com os sons harmoniosos de instrumentos musicais e trinados de rouxinóis e outros pássaros nativos de Bagdá; a eles se somava o odor de diversos tipos de carnes a assar. Tudo isso o levou a concluir que naquela casa se realizava uma grande festa. Quis então saber quem nela residia. Assim, aproximou-se de alguns empregados, luxuosamente trajados, que viu à entrada da casa, e perguntou a um deles como se chamava o dono daquela mansão.
     - Não me digas que moras em Bagdá e não sabes que esta é a residência do senhor Simbad, o marujo, famoso viajante que percorreu todos os mares do planeta - respondeu o empregado.
     O carregador, que tinha ouvido falar da fortuna de Simbad, não pôde deixar de invejar um homem cuja situação era tão boa enquanto a sua era tão deplorável. Amargurado por essas reflexões, ergueu os olhos para o céu e falou num tom que dava para ser ouvido:
     - Poderoso Criador de todas as coisas, reparai na diferença que há entre mim e Simbad: eu sofro todos os dias mil castigos e mil maltratos e mal consigo o suficiente para alimentar minha mulher e meus filhos, enquanto o felizardo Simbad gasta fortunas em profusão e leva uma vida de prazeres. Que fez ele para merecer tanta felicidade e que fiz eu para merecer tanto sofrimento?
     Ao fim dessas palavras, começou a bater com os pés no chão, totalmente possuído pela dor e pelo desespero. Foi quando saiu do casarão um criado que, tomando-o pelo braço, falou-lhe:
     - Vinde comigo, o senhor Simbad, meu patrão, deseja falar-vos.
     Depois das coisas que havia dito, achou que se o chamavam era para castigá-lo. Por isso recusou, alegando que não podia deixar sua carga abandonada no meio da rua. Mas o criado de Simbad lhe assegurou que os outros empregados tomariam conta dela e, sem lhe dar tempo de argumentar, o fez entrar no casarão.
     Foi conduzido até um salão onde havia muitas pessoas em torno de uma mesa coberta de todo tipo de refinadas comidas. À cabeceira da mesa estava sentado um senhor de ar grave, com uma venerável barba branca, servido por numerosos criados que se moviam à sua volta. Esse homem era Simbad. O carregador, vendo-se em meio àquele soberbo banquete e diante de tanta gente, tremia assustado. Simbad disse-lhe que se aproximasse, fê-lo sentar-se a seu lado, serviu-lhe comida no prato e lhe deu a beber do vinho delicioso que havia ali em abundância.
     Ao fim do jantar, vendo Simbad que todos haviam terminado de comer, tomou a palavra e, dirigindo-se a Hindbad, a quem chamou de irmão, perguntou-lhe como se chamava e qual a sua profissão.
     - Senhor, eu me chamo Hindbad.
     - Estou contente de conhecer-vos e garanto que todos aqui também pensam assim, mas desejaria ouvir de vossa própria boca o que dizíeis há pouco na rua.
     Simbad, antes de sentar-se à mesa, tinha ouvido pela janela o inflamado discurso de Hindbad, e foi por isso que mandara chamá-lo.
     Diante de tal pedido, Hindbad sentiu-se constrangido e respondeu:
     - Senhor, confesso-vos que meu cansaço deixou-me de mau humor, fazendo-me dizer coisas inconvenientes, de que peço me perdoar.
     - Não vos preocupeis com isso, pois não me considero ofendido pelo que dissestes. Mas gostaria de dizer-vos que a opinião que tendes de mim é equivocada. Certamente, acreditais que tudo o que possuo hoje foi conseguido sem trabalho e sofrimento, mas não é verdade. Cheguei à condição invejável em que me encontro depois de muitos anos de esforços, enfrentando situações difíceis de imaginar. Sim, meus senhores - acrescentou, dirigindo-se a todos os presentes -, posso afirmar-vos que os obstáculos que enfrentei foram tão incríveis que, ao saber deles, mesmo os homens mais ávidos de riquezas desistiriam de enfrentar os mares para buscá-las. Tereis ouvido falar vagamente das aventuras e perigos que vivi no mar durante as sete viagens que fiz. Pois agora se apresenta a ocasião de contar-vos o que realmente aconteceu. Tenho certeza de que me ouvireis com interesse.
     Como a intenção de Simbad era contar a história principalmente para Hindbad, mandou que trouxessem sua carga para dentro e que a pusessem onde ele considerasse seguro.

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