segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A Esperta Grethel

Hoje eu quero compartilhar a história da esperta Grethel, extraída do livro Branca de Neve e outras histórias (Irmãos Grimm, tradução e comentários Fausto Wolff - Rio de Janeiro: Revan, 2006. pag. 63-65).

A Esperta Grethel
Jacob e Wilhelm Grimm

     Era uma vez uma cozinheira que usava sapatos com fitas vermelhas. Quando saía com eles, olhava para os pés e dizia para si mesma com voz prazerosa: "Grethel, você ainda é uma garota bem bonita". Voltava para casa muito feliz, bebia um copo de vinho e o vinho lhe dava vontade de comer. Selecionava o que havia de melhor na cozinha, com a desculpa de que "uma cozinheira deve conhecer o gosto da comida que faz".
     Um dia seu patrão lhe disse:
     - Grethel, hoje à noite teremos um convidado. Por isso quero que me prepare duas galinhas.
     - Vou tratar disso imediatamente - replicou a cozinheira. Meia hora depois ela já havia matado, depenado, cortado e temperado as duas galinhas, esperando no espeto apenas para serem assadas, o que ocorreu com a chegada da noite. As galinhas logo adquiriram a cor marrom e pareciam deliciosas. Mas o convidado não aparecia.
     Grethel disse ao seu patrão:
     - Se o convidado não chegar logo eu terei de tirar as galinhas do fogo e vai ser realmente um pecado não degustá-las quentes e recém-temperadas.
     O patrão concordou e decidiu que sairia de casa e só voltaria quando encontrasse o seu convidado. Assim que ele lhe deu as costas, Grethel tirou o espeto com as duas galinhas do fogo e pensou consigo mesma: "Já estou há muito tempo nesta cozinha. Além de sentir calor, sinto sede. Quem sabe a hora que o convidado vai chegar, se chegar? Vou até a adega beber um pouco de cerveja."
     Passou do pensamento à ação. Foi até a adega, onde abriu a torneira de um barril deixando escoar uma jarra inteira de cerveja. Bebeu e voltou correndo para a cozinha. Botou os espetos no fogo de novo, e virou-os de um lado para o outro com muita agilidade, contente que estava. Passou manteiga nas galinhas e o cheiro delicioso entrou pelas narinas. Tão apetitoso era o cheiro que ela resolveu provar um bocado. Meteu os dedos no molho e disse para si mesma: "Como essas galinhas estão deliciosas. É uma vergonha, um pecado mesmo que não sejam comidas agora que estão no ponto."
     Correu até a janela e botou a cabeça para fora, a fim de verificar se seu patrão estava a caminho com o convidado. Como não viu ninguém, voltou-se novamente para as galinhas e notou: "Uma coxa de uma está queimada. Melhor comê-la." Acabou de pensar, cortou a coxa e comeu-a. Depois, olhando para a galinha perneta, pensou: "O patrão vai notar que há algo estranho com esta galinha. Melhor eu comer a outra coxa também." Depois de comer as duas coxas, correu à janela, mas seu patrão não estava à vista. Ela pensou: "Quem me garante que eles virão? Quem me garante que não estão bebendo em algum lugar e já se esqueceram do jantar?" Este pensamento lhe deu sede e ela desceu até a adega, onde bebeu uma jarra inteira de cerveja. A cerveja lhe deu fome, ela subiu à cozinha e, com a desculpa de que seria uma pena esfriar o jantar, comeu toda a galinha sem pernas. A ave estava gostosíssima e Grethel foi até a janela, mas não havia sinal do seu patrão e do convidado. Voltou para perto do fogo e olhou amorosamente para a galinha restante. Pensou: "Onde está uma também deve estar a outra. As duas são muito amigas, e o que é justo para uma também é justo para a outra. Acho que um pouco de coragem me fará bem". Desceu à adega, bebeu outra jarra de cerveja e não precisou de muita coragem para deglutir a segunda galinha. Mal acabara de comer, seu patrão entrou na cozinha e lhe disse:
     - Apresse o jantar que meu convidado já está vindo aí.
     - Pois não, patrão. Logo, logo ele estará pronto.
     O patrão foi até a sala de jantar para ver se os pratos, talheres e copos estavam bem dispostos. Depois disso apanhou o facão com o qual pretendia dividir as galinhas e começou a afiá-lo numa pedra. Neste meio tempo o convidado bateu gentilmente na porta.
     Grethel o recebeu, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela pôs o indicador sobre os próprios lábios, pedindo-lhe que fizesse silêncio. Em seguida disse-lhe:
     - Fuja depressa. Se o meu patrão o descobrir aqui o senhor estará perdido. É verdade que ele o convidou para jantar, mas o que quer mesmo é cortar suas duas orelhas. Está ouvindo o som do metal contra a pedra?
     - Estou - disse o convidado em voz baixa.
     - Pois é o meu patrão afiando o facão para cortar suas orelhas.
     O convidado desceu as escadas que davam para a rua em desabalada carreira. Correndo também, mas não tão rapidamente, entrou a cozinheira na sala de jantar e disse para o patrão:
     - Belo convidado o senhor me arranjou!
     - O que é que você quer dizer com isso, Grethel?
     - O quê? Assim que ele botou os olhos nas duas galinhas, meteu uma num bolso do paletó e outra no outro e saiu correndo.
     - Realmente, que belos modos! - disse o patrão, sentindo no estômago vazio a falta das galinhas. Se pelo menos ele houvesse deixado uma, eu teria alguma coisa para comer.
     Dito isso saiu correndo atrás do convidado com o facão ainda na mão. Gritava para o convidado que corria uns cem metros à sua frente na noite silenciosa:
     - Somente uma! Somente uma!
     Certo de que o outro queria dizer "somente uma orelha", o convidado botou fogo nas canelas e logo se viu são e salvo, trancado dentro da sua casa.

Fonte: http://minutoreceitas.com.br/frango-assado/

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A Filha de um Rei e o Filho de Outro

Hoje eu quero compartilhar a história da filha de um rei e do filho de outro, extraída do livro Branca de Neve e outras histórias (Irmãos Grimm, tradução e comentários Fausto Wolff - Rio de Janeiro: Revan, 2006. pag. 53-61).

A Filha de um Rei e o Filho de Outro
Jacob e Wilhelm Grimm

     Era uma vez um rei que tinha um filho que - segundo um vidente - aos 16 anos seria morto por um cervo. O jovem príncipe acabara de completar essa idade quando decidiu sair para caçar com alguns caçadores reais. Durante a caçada, o príncipe distraiu-se e acabou afastando-se da comitiva. Numa clareira deparou-se com um enorme cervo. O animal começou a fugir e o príncipe o perseguiu sem sucesso por um longo tempo. Finalmente, o cervo acabou correndo para dentro de uma pequena depressão na terra e imediatamente transformou-se num homem alto e magro que lhe disse:
     - Muito bem, finalmente o peguei - disse o homem, empurrando o príncipe até um barco. - Inúmeras vezes o segui silenciosamente, mas jamais consegui surpreendê-lo sozinho.
     Os dois entraram no barco e o homem remou para o reino onde era o monarca. Ao chegarem ao castelo, encontraram a mesa posta e jantaram. Quando acabaram a sobremesa, o rei disse ao príncipe:
     - Tenho três filhas e quero que você vigie a mais velha hoje à noite. Você ficará sentado à porta do quarto dela das nove da noite até de manhã. Cada vez que o relógio soar eu vou chamá-lo gentilmente. Se você não me responder imediatamente, morrerá pela manhã. Se responder, eu lhe darei a mão da minha filha em casamento.
     O príncipe foi levado para a porta do quarto da filha mais velha do rei, a tempo de vê-la dizer para uma imagem de pedra:
     - Quando meu pai chegar às nove horas e a cada hora depois disso, deixe o príncipe dormindo e responda por ele.
     A estátua de pedra assentiu com a cabeça rapidamente e depois, cada vez mais devagar, até parar totalmente.
     Na manhã seguinte o rei disse ao príncipe que ele havia executado à perfeição o seu dever mas que ele, o rei, não podia dar-lhe a filha mais velha como esposa. Para merecer a mão da primeira, ele teria de vigiar a filha do meio.
     - Virei à cada hora. Se não receber resposta lhe darei a morte. Se receber, lhe darei minha filha mais velha - disse o rei.
     O príncipe foi levado para a frente do quarto da filha do meio a tempo de ouvi-la dizer a uma estátua de pedra ainda maior do que a anterior:
     - Deixe o príncipe dormir e todas as vezes que meu pai chamar, responda no lugar dele.
     A estátua assentiu com a cabeça rapidamente e depois cada vez mais devagar até ficar imóvel. O príncipe foi até o umbral da porta e adormeceu com a cabeça deitada sobre o braço direito.Na manhã seguinte o rei lhe deu os parabéns e em seguida lhe disse:
     - Não posso abrir mão da minha filha do meio. Tenha paciência e vigie a mais moça hoje à noite. Só depois disso considerarei a possibilidade de você casar com minha filha do meio.
     O príncipe foi conduzido até o quarto da princesa mais nova e chegou a tempo de vê-la dizer para uma estátua gigantesca:
     - Se meu pai chamar, você deve responder pelo príncipe.
     A estátua assentiu com a cabeça durante meia hora e depois tratou de imobilizar-se. Em seguida o príncipe deitou-se no umbral da porta e logo adormeceu.
     Na manhã seguinte, o rei lhe disse que ele certamente fora um bom vigia, mas que não poderia dar-lhe a filha em casamento enquanto ele não derrubasse uma enorme floresta até o anoitecer, ocasião em que pensaria no assunto. Em seguida deu ao príncipe um machado de vidro, um calço de vidro e um malho de vidro. O príncipe dirigiu-se à floresta e começou a trabalhar, mas ao primeiro golpe o machado quebrou em vários pedaços. O mesmo aconteceu com o malho e a cunha quando tentou utilizá-los. Certo de que seria condenado à morte pelo rei e sem saber o que fazer, o jovem príncipe sentou-se sobre a raiz de uma árvore e começou a chorar.
     Ao meio-dia o rei disse às suas filhas:
     - Uma de vocês deve levar alguma coisa para o rapaz comer.
     - Não. não! - disseram a um só tempo as duas mais velhas. Deixe que a última que ele vigiou lhe leve o almoço.
     A princesa caçula concordou em levar a comida e quando chegou à floresta perguntou ao jovem príncipe como andava o trabalho.
     - Vai tudo muito mal, muito mal!
     - Você precisa comer alguma coisa - disse a princesa.
     Mas ele recusou dizendo:
     - Não. Como vou morrer decidi não mais comer enquanto estiver vivo.
     Aos poucos a princesa conseguiu persuadi-lo e ele acabou comendo a refeição. Quando terminou, a princesa convidou-o a jogar bola com ela e logo ele adormeceu de tão cansado. Ela, então, pegou seu lenço e fez um nó numa das extremidades. Depois disso bateu três vezes com o lenço no chão e disse:
     - Homens do fundo da terra, apareçam.
     Uma porção de anões apareceram e indagaram à princesa o que ela queria.
     - Vocês tem três horas para derrubar toda esta floresta e a lenha deve ser toda empilhada.
     Os anõezinhos puseram-se a trabalhar e três horas depois chamaram a princesa para ver o trabalho. A princesa agradeceu, bateu três vezes com o lenço no solo e gritou:
     - Homens do fundo da terra, voltem para casa!
     Os anões desapareceram como por encanto. Depois disso, a princesa foi acordar o príncipe que ficou maravilhado ao ver que a floresta sumira. Ela pediu-lhe que não retornasse ao palácio antes das seis da tarde. Na hora combinada ele voltou e o rei perguntou-lhe se havia realizado a tarefa; e ele:
     - Sim, fiz o trabalho. Onde havia uma imensa floresta agora há uma imensa clareira.

Fonte: http://viajeaqui.abril.com.br/materias/florestas-encantadas-pelo-mundo#2

     Mais tarde, sentados à mesa de jantar, o rei disse ao príncipe que não poderia dar-lhe nenhuma das suas filhas como esposa enquanto ele não cumprisse outro dever. Teria que limpar um fosso enorme e profundo e enchê-lo de água tão clara que parecesse um espelho. Completou dizendo:
     - E o lago terá de ter todos os tipos de peixes do mundo.
     Na manhã seguinte, o rei deu ao príncipe uma pá de vidro e lhe informou que deveria terminar o trabalho até às seis da tarde se não quisesse morrer. O príncipe foi até o fosso e assim que a pá entrou em contato com a terra quebrou em duas partes, como ocorrera com o machado ao entrar em contato com a madeira no dia anterior.
     Novamente, o príncipe não soube o que fazer e, desesperado, esperou até o meio-dia, quando a princesa mais jovem trouxe-lhe o almoço e lhe perguntou como estava se saindo com o trabalho:
     - Ai de mim! - disse ele, escondendo a face com as mãos. - Estou com o mesmo azar de ontem.
     A princesa tratou de confortá-lo, dizendo que ele se sentiria melhor depois que houvesse se alimentado e dormido um pouco. Mais uma vez, ele disse que, como iria morrer, negava-se a comer. A princesa acabou convencendo-o a comer. Ele limpou o prato e, logo depois, pegou no sono. Enquanto o príncipe roncava, ela pegou seu lenço, bateu com ele contra o solo três vezes e gritou:
     - Homens do fundo da terra, apareçam!
     Imediatamente surgiram vários anõezinhos e perguntaram-lhe o que queria. Ela respondeu:
     - Em três horas vocês terão de ter acabado com este fosso, e enchido o imenso buraco de água cristalina contendo todas as espécies de peixe do mundo.
     Os homens da terra usaram todas as suas forças e trabalharam com tanto afinco que, duas horas depois, haviam terminado a tarefa. Comunicaram o feito à princesa, que batendo com o nó do lenço três vezes no chão, gritou:
     - Homens do fundo da terra, voltem para casa!
     Os anões desapareceram e a filha mais moça do rei acordou o príncipe. Este, ao ver o lago, alegrou-se muito e a princesa, antes de retornar ao palácio, disse-lhe para ele não aparecer lá antes das seis da tarde.
     No castelo, durante o jantar, depois de cumprimentar o príncipe, o rei disse-lhe que tinha um último trabalho para ele antes de dar-lhe uma das filhas em casamento.
     - E que trabalho será este? - perguntou o príncipe.
     - Perto daqui há uma grande colina - replicou o rei - sobre a qual repousam inúmeros rochedos. Sua função será fazer desaparecer os rochedos e em seu lugar construir um palácio, que além de belo terá de ser uma verdadeira fortaleza com todos os acessórios necessários. Naturalmente, isso deve ser feito até às seis da tarde, caso contrário mandarei separar a cabeça do seu corpo.
     No dia seguinte, após receber do rei uma picareta de vidro e uma furadeira do mesmo material, o príncipe dirigiu-se à colina dos rochedos. Tanto a picareta quanto a furadeira quebraram em pedaços ao primeiro contato com os rochedos. O príncipe sentou-se no chão e esperou pela princesa que lhe traria alimento e, talvez, como nas vezes anteriores, o ajudasse a se salvar. E foi como tudo ocorreu. A princesa lhe deu a comida, ele negou-se a comê-la, ela o persuadiu, ele comeu e logo adormeceu. A princesa bateu três vezes na terra com o lenço enquanto gritava:
     - Apareçam homens do fundo da terra.
     Os anões apareceram, perguntaram o que ela queria, ela lhes deu as ordens e eles acabaram de construir o castelo três horas depois. A princesa bateu com o lenço no solo três vezes e gritou:
    - Retornem para casa, homens do fundo da terra.
     Os anões desapareceram. E ela, então, foi acordar o príncipe, que ficou felicíssimo ao ver o enorme castelo. Os dois namoraram até as seis da tarde e depois foram ver o rei, pai da moça, que perguntou imediatamente:
     - O castelo também está pronto?
     - Sim - disse o príncipe que, mais tarde, à mesa de jantar, teve de ouvir o rei dizer:
     - O problema é o seguinte. Não posso lhe dar a mão da minha filha mais jovem enquanto você não tiver pedido a mão das mais velhas.

Fonte: http://pt.hallpic.com/papel-de-parede/365845-castelo_colina_natureza_paisagem/

     As palavras do rei entristeceram o príncipe e a princesa, que não sabiam mais o que fazer. À noite ele foi ao quarto dela e os dois fugiram. Na fuga, a princesa olhou para trás e viu o seu pai, que os perseguia.
     - Ai de nós! - disse ela. - O que devemos fazer? Meu pai logo vai nos alcançar. Vou transformá-lo num espinheiro e a mim numa rosa, que você protegerá.
     Quando o rei chegou ao local encontrou apenas um espinheiro e, grudada a ele, uma rosa. O rei tentou arrancar a rosa mas os espinhos se eriçaram e acabaram picando o seu dedo. Isso fez com que o rei voltasse ao seu castelo. Lá, sua mulher, a rainha, perguntou-lhe por que não voltara com os fugitivos. Ele respondeu-lhe que os seguira, mas que, a certa altura, ele os perdera de vista. Encontrara apenas um espinheiro com uma rosa.
     - Se você tivesse arrancado a rosa, o espinheiro viria atrás dela como um cãozinho, e morreria no mesmo instante.
     Diante das palavras da mulher, o rei saiu jurando que traria a rosa consigo. Nesse meio tempo, porém, o príncipe e a princesa já haviam seguido adiante e o rei foi obrigado a segui-los. A princesa olhou para trás e viu seu pai ao longe. Disse:
     - Meu pai vem aí. O que podemos fazer? Ah, já sei. Vou transformá-lo numa igreja, e a mim, num pároco no alto de um púlpito pronto para fazer uma pregação.
     Quando chegou onde haviam estado sua filha e o príncipe, o rei viu apenas uma igreja e o pároco pregando no alto do púlpito. Parou para ouvir o sermão e em seguida retornou ao seu castelo.
     - Você deveria ter trazido o pároco - disse-lhe a mulher. - A igreja o teria seguido. Já vi que é inútil mandá-lo fazer qualquer coisa. Eu mesma vou ter de capturá-los.
     A rainha já estava perto da igreja quando a princesa disfarçada de pároco olhou para trás e a viu. A princesa exclamou:
     - Não poderíamos ter pior sorte, pois minha mãe vem aí. Vou transformá-lo num lago enquanto me transformo num peixe.
     Quando a rainha chegou ao local onde estivera a igreja, encontrou um lago e um peixe pulando alegremente no meio dele. A rainha tentou pegar o peixe com as mãos, mas ele acabava sempre escapando. Irada, bebeu todo o lago. Este, porém, imediatamente se enchia de água novamente. Depois de bebê-lo algumas vezes, a soberana viu que não teria sucesso e retornou para casa.
     Livres da rainha, os jovens continuaram a jornada e, uma hora depois, viram, ao longe, o castelo do príncipe e, próximo a ele, uma pequena aldeia. Quando chegaram mais perto, o príncipe disse à sua amada:
     - Espere aqui, minha querida, enquanto vou até o castelo trazer carruagem e vassalos para servi-la.
     A volta do príncipe foi recebida com grande alegria e ele disse que sua noiva o esperava na vila com uma carruagem. Os vassalos selaram os cavalos e atrelaram-nos à carruagem, para depois tomarem seus lugares. O príncipe, antes de entrar na carruagem, deu um beijo na mãe e nesse momento esqueceu-se de tudo o que ocorrera com ele e de tudo o que precisava fazer. A rainha, sua mãe, então mandou desatrelar os cavalos e guardar a carruagem. Enquanto isso a princesa aguardava na vila. Esperou por dias, e como o príncipe não dava sinais de retornar, ela se empregou com um moleiro cujo moinho pertencia ao castelo. Todos os dias a princesa lavava roupa no riacho perto de onde vivia o príncipe.
     Certo dia a rainha passou pelo riacho onde aprincesa lavava roupa e a deixava secar ao sol. Ao vê-la disse para si mesma:
     - Que bela moça! Gostei dela.
     Infelizmente, tão rápido como surgiu, o pensamento desapareceu da cabeça da rainha, que não pensou mais no assunto. Por isso mesmo a princesa continuou trabalhando para o moleiro até o dia em que a rainha descobriu num reino distante uma noiva que considerava apropriada para o seu filho. Quando a noiva chegou, um grande número de pessoas foi convidado para recepcioná-la, e a princesa pediu ao moleiro, seu patrão, que a deixasse sair um pouco antes naquele dia para assistir aos festejos. No dia do casamento, a princesa esquecida abriu uma das três nozes que sua mãe lhe dera de presente, e dela retirou um vestido maravilhoso. Depois de vesti-lo, foi até a igreja, onde ocupou um lugar bem perto do altar. Depois de alguns minutos, o príncipe e sua noiva postaram-se na frente do altar. O sacerdote já estava para abençoar o casal quando olhando para o lado, a noiva viu a outra princesa com seu deslumbrante vestido. Imediatamente, mandou suspender a cerimônia, declarando que só se casaria quando tivesse um vestido tão bonito quanto o da princesa atrás dela. Todos os convidados retornaram para suas casasse perguntaram à estranha moça se ela não emprestaria seu vestido à noiva.
     - Não - disse ela. - E nem o vendo por dinheiro nenhum deste mundo. Só há um modo de eu me separar do meu vestido.
     - Qual? - perguntaram os vassalos do rei.
     - Quero que me deixem dormir por uma noite do lado de fora do quarto do príncipe.
     Tanto o rei quanto a rainha, pais do príncipe, concordaram. Os vassalos, entretanto, colocaram no copo de água do jovem noivo uma poção para fazê-lo dormir pesadamente. Ele bebeu a água e a pobre princesa passou a noite toda do lado de fora da porta, tentando fazê-lo lembrar-se dela. Dormindo profundamente, porém, ele não ouvira palavra alguma. Ela passou a noite inteira dizendo-lhe como havia derrubado a floresta para ele, como fizera um lago com peixes para ele, como construíra um castelo, como o transformara num espinheiro, numa igreja e finalmente num lago e apesar disso tudo ele a havia esquecido.
     O príncipe não ouvira nada e,na manhã seguinte, sua noiva oficial colocou o vestido da princesa esquecida. Noivo e noiva voltaram para a igreja a fim de celebrar o matrimônio. Antes de entrarem, porém, a princesa esquecida já havia se colocado perto do altar com um vestido ainda mais belo do que o anterior. A noiva suspendeu a cerimônia outra vez. Só se casaria quando tivesse um vestido tão bonito quanto o da estranha convidada. Mais uma vez os vassalos pediram o vestido emprestado à princesa e mais uma vez ela declarou que só se apartaria dele se pudesse dormir outra noite do lado de fora do quarto do príncipe. Dessa vez, porém, o príncipe não bebeu da água com a poção para dormir, ouviu todas as queixas e muito se afligiu. Na manhã seguinte, ele foi até a princesa e implorou que o perdoasse por seu esquecimento e sua ingratidão. Foi então que a princesa esquecida, a verdadeira princesa, quebrou sua terceira noz e o vestido que saiu de dentro dela era tão esplendoroso que todas as moças e rapazes jogavam rosas em seu caminho. Foi assim que o príncipe e a princesa casaram e foram felizes para sempre, ao passo que a noiva invejosa e a velha rainha foram obrigadas a fugir.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O Mercador e o Gênio

Hoje eu quero compartilhar a história do mercador e o gênio, extraída do livro As Mil e uma Noites: Contos Árabes (tradução Ferreira Gullar - 5. ed. - Rio de Janeiro: Revan, set. 2010. pag. 22-47).

O Mercador e o Gênio

     Havia em outros tempos um mercador que possuía grandes riquezas em escravos, terras, mercadorias e ouro. Obrigado de quando em quando a viajar para tratar de seus negócios, partiu um dia montado em seu cavalo, levando boa provisão de biscoitos e tâmaras para alimenta-se durante a travessia do deserto. Terminada sua tarefa, tomou o caminho de volta à sua casa.
     No quarto dia de caminhada, sentindo-se sufocado pelo calor do sol, buscou a sombra de umas árvores que divisou ao longe. Junto a uma delas havia uma fonte cristalina, e ali então desmontou para descansar.
     Sentou-se à margem do riacho e tirou do zurrão as provisões que lhe restavam. Depois de comer as tâmaras airou para os lados os caroços e, terminado seu lanche, lavou o rosto, as mãos e os pés, como bom muçulmano, e rezou sua oração de costume.
     Estava ainda ajoelhado quando lhe apareceu um gênio de enorme estatura, cuja cabeça estava coberta com a neve dos anos, e que, caminhando em sua direção, com a espada na mão, disse-lhe em tom assustador:
     - Levanta-te, porque vou te matar como fizeste com meu filho.
     Amedrontado com a figura do gênio e suas palavras ameaçadoras, o mercador respondeu:
     - Meu bom senhor! Que crime cometi para merecer tal castigo? Não conheço nem nunca vi jamais vosso filho.
     - Ah, é? E por acaso não acabas de jogar para os lados caroços de tâmaras?
     - Sim, não posso negar que fiz isso.
     - Pois bem - explicou o gênio, - meu filho, que passava junto a ti, foi atingido por um desses caroços no olho e caiu morto no mesmo instante. Não posso te perdoar e vou te arrancar a vida.
     - Misericórdia, senhor! - implorou o mercador diante de tão absurda acusação. Se matei vosso filho, foi sem querer e, por isso, mereço vosso perdão.
     O gênio, em vez de responder, agarrou o mercador e, derrubando-o no chão, ergueu a espada para cortar-lhe a cabeça, indiferente a seus apelos em nome da esposa e dos filhos.
     Quando o mercador viu que a espada descia em direção a seu pescoço, soltou um grito horrível e disse:
     - Por favor, esperai um pouco e ouvi-me! Já que estais disposto a matar-me, concedei-me um prazo para que possa despedir-me de minha família, fazer o testamento e acertar meus negócios. Juro pelo Deus do Céu e da Terra que aqui voltarei pontualmente para submeter-me a vossa vontade.
     - E de quanto tempo necessitas?
     - Peço-vos um ano de prazo, ao fim do qual me encontrareis junto a esta mesma árvore, disposto a entregar-vos a vida.
     - Juras por Deus?
     - Juro - respondeu o mercador, - e podeis confiar na verdade de meu juramento.
     O gênio, ao ouvir essas palavas desapareceu, e o mercador, mais tranquilo agora, montou no cavalo e continuou seu caminho. A mulher e os filhos o receberam com grandes demonstrações de alegria, mas o infeliz desandou a chorar pensando no fatal juramento que fizera. E terminou contando o que lhe acontecera na viagem. A mulher e os filhos não ficaram menos aflitos e, ao cabo de um ano, teve de partir. É impossível descrever o sofrimento de seus familiares no momento da despedida.
     Depois de muitas reflexões e inúteis palavras de consolo, desprendeu-se dos braços da esposa e dos filhos e dirigiu-se ao lugar onde ficou de encontra-se com o gênio. Postou-se sob a mesma árvore, perto do riacho cristalino e esperou por ele, com a tristeza de quem espera pela morte.
     Enquanto o mercador, abatido, esperava pelo gênio que iria matá-lo, apareceu um ancião com uma cerva. Saudaram-se um ao outro e o velho perguntou:
     - Irmão, por que vieste a este lugar perigoso e deserto só frequentado por espíritos malignos?
     O mercador contou-lhe a aventura que vivera e o ancião exclamou:
     - Trata-se realmente de uma situação terrível, uma vez que estás comprometido por um juramento. Gostaria de presenciar o teu encontro com o gênio.
     Ao dizer estas palavras, chegou outro ancião seguido de dois cães negros e lhes perguntou o que faziam naquele lugar. O velho da cerva satisfez-lhe a curiosidade e o recém-chegado decidiu ficar para testemunhar o que ia ocorrer. Surgiu, por sua vez, um terceiro ancião, que fez as mesmas perguntas dos anteriores e sentou-se entre os dois outros, disposto a assistir ao desfecho da lamentável aventura.
     De repente, viram à distância uma espécie de torvelinho de fumaça que rodopiava como se impulsionado pelo vento e que, quando deles se aproximou, dissipou-se, deixando ver a figura gigantesca do gênio. Este, de espada na mão, caminhou em direção ao mercador e lhe disse, tomando-o pelo braço:
     - Levanta-te, que vou te matar do mesmo modo como mataste meu filho.
     Quando o velho da cerva se convenceu de que o mercado ia de fato ser executado, jogou-se aos pés do gênio e disse:
     - Príncipe dos gênios! Rogo-vos humildemente que me escuteis antes de descarregar todo o peso de vossa cólera. Vou contar-vos minha história e desta cerva que vedes aqui. Se a achares mais surpreendente e maravilhosa que a aventura do mercador a quem quereis tirar a vida, aceitareis perdoá-lo do crime que cometeu?
     O gênio refletiu um instante e respondeu:
     - Está bem, aceitarei.
     O ancião disse para o gênio: - Esta cerva, senhor, é minha prima e também minha esposa. Tinha doze anos de idade quando me casei e, por isso, tomou-me como pai, parente e marido.
     A vontade de ter um sucessor me fez comprar uma escrava que me deu um filho. Minha mulher, muito ciumenta, tomou-se de profundo ódio pela escrava e pelo filho, mas ocultou seus sentimentos de tal modo que, quando me dei conta disso, era tarde demais.
     Quando meu filho completou dez anos de idade, tive que fazer uma viagem e o deixei, bem como a sua mãe, aos cuidados de minha esposa, pedindo-lhe que tratasse bem deles durante minha ausência, que se prolongou por um ano inteiro. Mas minha esposa, que se havia dedicado à magia, decidiu vingar-se daqueles inocentes transformando meu filho num bezerro e sua mãe, numa vaca. Feito isso, entregou-os a um lavrador para que os fizesse trabalhar como os animais de sua espécie. Ao regressar, ela me disse que o menino se perdera e sua mãe acabara de morrer. Muito me afligiu a perda da mãe, mas consolei-me com a esperança de algum dia reencontrar o menino.
     Oito meses se passaram sem que eu nada conseguisse, até que, chegada a festa do Bairam, ordenei ao lavrador que trabalhava em minhas terras que me enviasse a vaca mais gorda do estábulo para matá-la. Ele me trouxe a infeliz escrava. No momento de sacrificá-la, começou a mugir de modo estranho e de seus olhos escorriam lágrimas. Aquilo me comoveu e então pedi que a trocassem por outra vaca, a que se apôs minha mulher, já que queria a todo transe satisfazer sua cruel vingança. Já me dispunha a desfechar o golpe mortal, mas a vaca começou a mugir de novo e mais uma vez me faltou coragem para sacrificá-la. Disse então ao lavrador que o fizesse e ele o fez. Vimos, então, que a vaca, apesar de sua aparência robusta, era só pele e ossos. Tomado de profundo pesar, dei-a ao lavrador e disse-lhe que me trouxesse um bom bezerro, no que fui logo atendido.
     Embora ignorasse que o bezerro era meu filho, ao vê-lo meu coração começou a bater forte. O animalzinho rebentou a corda para aproximar-se de mim, deitou-se a meus pés, me lambeu as mãos e me olhou de tal modo que me comoveu. Por essa razão, em vez de matá-lo, mandei levá-lo de volta ao estábulo. Minha mulher se enfureceu pois queria a todo custo que o sacrificasse como fizemos com a vaca. Mas minha compaixão foi maior que sua insistência e sua zanga, de modo que, para acalmá-la, prometi sacrificar o bezerro no ano próximo.
     Na manhã seguinte, o lavrador me procurou e me disse reservadamente:
     - Venho dar-te uma notícia muito interessante. Tenho uma filha que domina a arte da magia e ela me disse que aquele bezerro é teu filho e que a vaca que sacrificamos ontem era a mãe dele. Quem os transformou nesses animais foi tua esposa, que os odiava.
     - Julgai, oh gênio!, qual foi minha dor e minha surpresa ao ouvir essas palavras. Fui correndo ao estábulo onde se encontrava meu filho e, ainda que não pudesse corresponder a meus afagos, recebeu-os de um modo que me persuadiu de sua verdadeira identidade. Então chegou a filha do lavrador e lhe perguntei, ansioso, se poderia restituir meu filho a sua forma natural.
     - Claro que posso - respondeu-me ela.
     - Se o fizeres, serás dona de tudo o que possuo.
     - Não posso pedir-te tanto - disse-me ela, - mas te imponho duas condições: a primeira, que me dês teu filho como esposo e, a segunda, que me permitas castigar a pessoa que o transformou em bezerro.
     - Com muito gosto, concordo com a primeira condição a admito a segunda, desde que não tires a vida de minha mulher - respondeu ele.
     A jovem pegou um copo cheio d'água, pronunciou algumas palavras cabalísticas e em seguida, dirigindo-se ao bezerro, exclamou:
     - Se foste criado por Deus Todo Poderoso na forma que tens hoje, fica neste estado; mas, se és gente e se te encontras assim por ato de feitiçaria, recupera tua forma primitiva pela vontade do Divino Criado.
     Derramou o copo d'água sobre o bezerro e, num instante, tive entre meus braços meu adorado filho, que logo aceitou tornar-se esposo da jovem que o tirou de tão desgraçada situação. Minha mulher foi transformada em cerva e é esta que vês aqui. Escolhi essa forma animal para que não se tornasse tão desagradável sua presença no seio da família.
     Mais tarde, meu filho enviuvou e foi viajar. E como faz muito tempo que não tenho notícias dele, saí a procurá-lo levando comigo minha mulher. Esta é minha história e da cerva. Não é maravilhosa, como vos havia dito?
     - Tens razão - disse o gênio, - e como recompensa te concedo a terça parte do perdão que solicitaste para o mercador.

Fonte: http://umsochamado.com/2010/08/23/como-a-corca-anseia-por-agua-assim-tenho-sede/

     O segundo ancião, que conduzia os dois cães negros, dirigiu-se ao gênio e lhe disse:
     - Agora vou contar o que sucedeu a mim e a estes dois cães que me acompanham, e estou certo de que me concederíeis outra terça parte do perdão ao mercador.
     - Sim, concederei - disso o gênio, - desde que tua história seja mais interessante que a da cerva.

     - Sabeis, grande príncipe dos gênios - disse o velho, - que somos três irmãos, estes dois cães que vedes aqui e eu, que sou o terceiro. Nosso pai, ao morrer, deixou a cada um mil cequins, e com esse dinheiro abraçamos os três a mesma profissão de mercado. Algum tempo depois de abrir seu negócio, um dos irmãos quis comerciar no estrangeiro, levando consigo muita mercadoria.
     Um ano duru sua ausência. Ao fim desse tempo, apareceu à porta de minha tenda um pobre pedindo esmola, era ele. Abracei-o e fiz entrar. Pedi-lhe que me falasse de sua viagem e de sua situação.
     - Prefiro não falar sobre isso tantas foram as desgraças que caíram sobre mim - respondeu.
     Com pena dele, lhe dei roupas novas e um montante de mil cequins, ou seja, a metade da fortuna que possuía, com o quê pôde retomar seus negócios, e vivemos juntos por algum tempo.
     Pouco depois, meu segundo irmão também quis viajar. Fizemos o que nos foi possível para dissuadi-lo, mas foi inútil, e ao fim de um ano voltou na mesma situação que o irmão mais velho. Dei-lhe três mil cequins que ganhei de lucro durante sua ausência, ele abiu uma nova tenda e voltou a comerciar.
     Ignorando a desastrada experiência anterior, os dois me convidaram a empreender com eles uma viagem para comerciar no estrangeiro, a que me neguei decididamente. Mas depois de cinco anos de insistência, acedi a seus desejos e tratamos de comprar as mercadorias necessárias. Foi quando me disseram que não tinham dinheiro.
     Nenhuma palavra de recriminação saiu de meus lábios, e como era dono de seis mil cequins, dei mil a cada um deles, separei igual quantia para mim e enterrei o restante em lugar seguro para prevenir-me contra as eventualidades que poderiam advir de nosso empreendimento. Fretamos um barco e demos início à viagem.
     Após navegarmos dois meses, chegamos a um porto onde vendemos nossas mercadorias com tal lucro que, só eu, aumentei meu capital em mil por cento. Ali compramos gêneros e produtos daquele país para voltarmos a nossa pátria quando encontrei numa praia uma linda mulher, pobremente vestida.
     Ela se aproximou de mim, beijou-me a mão e me implorou que a deixasse embarcar em nosso navio. Eu não apenas consenti nisso, como, cativado por sua beleza e seu porte, casei-me com ela, poucos dias antes de nos fazermos ao mar.
     Durante a viagem, descobria a cada dia novas qualidade em minha esposa e assim foi aumentando meu carinho por ela. Meus irmãos, ao verem que a felicidade me sorria, tomaram-se de inveja e a tal ponto que passaram a conspirar contra minha vida. Uma noite, quando eu e minha esposa dormíamos, jogaram-nos ao mar.
     Felizmente, minha mulher era uma fada e me salvou da morte certa. Disse-me então que adotara aquele disfarce de pobre para pôr à prova minha bondade.
     - Estou contente contigo - disse-me ela, - mas é preciso castigar os teus cruéis irmãos, fazendo naufragar o navio em que viajam. Roguei que não fizesse isso, pois gostaria de ser com eles tão generoso quanto havia sido até então.
     Ela terminou cedendo a minhas súplicas, transportou-me até minha casa e desapareceu em seguida. Desenterrei o dinheiro que guardara e abri a tenda, que se encheu de fregueses e vizinhos que foram me felicitar por ter voltado.
     Ao entrar no pátio de minha casa encontrei estes dois cães negros que me olharam com submissão e humildade. Ignorava de onde tinham vindo aqueles animais, quando minha esposa veio dizer-me que uma de suas irmãs, feiticeira com ela, havia afundado o navio onde iam meus ingratos irmãos e os transformara em animais irracionais, para que nessa condição vivessem durante dez anos, como castigo por sua traição.
     Ela passou alguns dias comigo e depois desapareceu de novo, dizendo-me o lugar onde poderia encontrá-la. Havendo passado os dez anos, dirigia-me ao encontro de minha esposa, quando encontrei aqui o mercador e o velho com a cerva, e me detive para lhes fazer companhia. Esta é minha história, oh príncipe dos gênios, e espero que lhe tenha parecido extraordinária.
     - Admito que sim - disse o gênio, - e te concedo o segundo terço do perdão que pedes para o mercador.
     O terceiro ancião tomou a palavra e pediu ao gênio a mesma graça que seus antecessores, isto é, que perdoasse o mercador da outra terça parte da pena, se a história que ia contar lhe parecesse mais extraordinária e curiosa do que as duas que ouvira antes.
     O gênio concordou.

Fonte: http://vejasp.abril.com.br/blogs/bichos/2014/03/cachorros-pretos-fotografo/

          - Sou filho único de um rico mercador de Surate, - começou o terceiro ancião. - Em pouco tempo, após a morte de meu pai, dissipei a maior parte dos bens que ele me havia deixado e estava a ponto de gastar o restante com os amigos, quando convidei para cear comigo um forasteiro de passagem pela cidade. A certa altura conversamos sobre viagens.
     - Se fosse possível ir de um extremo a outro da terra sem ter de enfrentar tropeços desagradáveis - disse-lhe, rindo, - sairia hoje de Surate.
     - Malek - disse-me o forasteiro, - se queres viajar, posso ensinar-te um modo de o fazer com a maior comodidade.
     Terminada a ceia, chamou-me à parte para dizer-me que na manhã seguinte voltaria a visitar-me. E assim o fez.
     - Quero cumprir minha palavra - disse-me. - Manda um escravo buscar um carpinteiro e me tragam algumas tábuas.
     Com as tábuas o carpinteiro fez, com a ajuda do forasteiro, uma caixa de dois metros de comprimento por um e meio de largura. Terminada a caixa, o forasteiro a cobriu com um tapete da Pérsia e mandou que a levassem a um descampado. Pediu que os escravos se retirassem e, estando a sós comigo, de repente a caixa levantou voo e sumiu nas nuvens. Depois desceu e pousou a meus pés.
     - Vês que é um veículo bastante cômodo - disse ele, acrescentando que o recebesse como um presente seu. - Assim podes realizar as viagens que quiseres a qualquer parte do mundo.
     Agradeci o presente e, dando-lhe uma bolsa cheia de dinheiro, perguntei como se punha o veículo em movimento.
     - Eu te mostrarei - respondeu, fazendo-me entrar na caixa com ele. Tocou em um parafuso e logo estávamos voando.
     - Movendo este parafuso - explicou, - a caixa vira para a direita e, girando este outro, toma a direção contrária. Para subir, basta que toques nesta mola e, para descer, é só tocar nesta outra.
     Depois de várias demonstrações, fez a caixa tomar a direção de minha casa e pousamos em meu jardim. O forasteiro despediu-se de mim e então guardei a caixa em um dos cômodos da casa.
     Continuei minha vida de farras com os amigos até consumir quase tudo o que possuía. Tomei dinheiro emprestado e em consequência disso tive que enfrentar muitas complicações. Recorri então à minha caixa: pus nela víveres, peguei o dinheiro que me restava, a levei secretamente para o jardim e levantei voo, indo assim para longe de meu país e de meus credores.
     Durante toda a noite voei com o máximo de velocidade e ao despontar do dia, olhei por um buraco da caixa e só vi montanhas, precipícios e campos desertos. Continuei voando por todo aquele dia e à noite, até amanhecer, quando me vi sobre um espesso bosque junto ao qual havia uma pequena cidade. Detive-me para contemplar a cidade e especialmente um magnífico palácio que ali havia; próximo divisei um camponês que lavrava o solo. Desci no bosque e ali deixei a caixa. Aproximei-me do camponês e perguntei-lhe como se chamava aquela cidade.
     - Jovem - respondeu-me ele, - vê-se logo que és estrangeiro, já que ignoras chamar-se Gazna esta cidade, residência do bom e valoroso rei Bahaman.
     - E quem mora naquele palácio?
     - O rei de Gazna, que o fez construir para nele encerrar a princesa Scirina, sua filha, pois, segundo o horóscopo, será enganada por um homem.
     Agradeci ao camponês por suas informações e me dirigi à cidade. Perto de suas portas, ouvi um grande barulho e em seguida vi saírem vários ginetes, magnificamente vestidos e montados em belíssimos cavalos ricamente ajaezados.
     No meio daquela esplêndida comitiva ia um homem de elevada estatura que ostentava uma coroa de ouro na cabeça e um traje coberto de pedrarias, de tal modo que ele próprio parecia um enorme diamante. Supus que era o rei de Gazna e logo me inteirei de que não me havia enganado.
     Percorria pensativo a cidade, quando de súbito me lembrei de minha caixa que havia abandonado no bosque, e só me tranquilizei quando, de volta ao lugar onde a deixara, verifiquei que não haviam roubado.
     Após consumir as provisões que me restavam, decidi passar a noite ali. Mas não consegui dormir: não parava de pensar na princesa Scirina a que se referira o camponês. Imaginava-a uma mulher formosa como jamais vira outra na vida e, de tanto nela pensar, tive vontade de tentar a sorte. Disse-me que seria necessário transportar-me ao terraço do palácio e penetrar no quarto da princesa. Pode ser que eu agrade a ela, quem sabe?
     Sem demora, entrei na caixa, passei sem ser visto por sobre a cabeça dos soldados que montavam guarda ao edifício e desci sem dificuldades num dos terraços do palácio. Tomando cuidado para não fazer ruído, deslizei por uma janela e encontrei-me num quarto, adornado com riquíssimos tapetes, onde, recostada num divã, dormia a princesa Scirina, deslumbrante de beleza. Aproximei-me dela cautelosamente e caí de joelhos a seus pés, beijando-lhe com paixão sua linda mão. A princesa acordou sobressaltada e, ao ver um homem junto a ela, soltou um grito. Logo acorreu sua aia, que dormia no quarto ao lado.
     - Mahpeiker - disse Scirina, - como pôde este homem entrar em meus aposentos? És, por acaso, cúmplice dele?
     A aia, ofendida com essa suspeita, jurou que nunca me vira e, mesmo que quisesse favorecer-me em minha audácia inaudita, como poderia burlar a vigilância dos guardas que rodeiam o castelo? E como teria podido abrir as vinte e quatro portas de aço, seladas com as armas do rei, para trazer-me até ali? Na verdade, não sabia explicar como pudera eu vencer todos aqueles obstáculos.
     Foi aí que me ocorreu a ideia de me fazer passar pelo profeta Maomé.
     - Formosa princesa - disse eu, - não vos assusteis e vós, tampouco, Mahpeiker, de ver-me aqui. Sou o profeta Maomé, e não posso deixar de compadecer-me, princesa, por saber que passais os mais belos anos de vossa existência encerrada neste cárcere. Venho, pois, para desmentir a predição que tanto assusta a Bahaman, vosso pai. Estejais tranquila e vos alegreis pois sereis esposa de Maomé. Assim que se divulgue a notícia de vosso casamento todos os reis temerão o sogro do profeta e todas as princesas vos invejarão.
     Scirina e Mahpeiker acreditaram no que lhes disse. Passei toda a noite em companhia da filha do rei de Gazna. Ao despedir-me dela, prometi-lhe voltar no dia seguinte.
     Regressei então ao  sem ser notado pelos soldados e, quando o sol já estava alto no horizonte, me dirigi para a cidade, onde comprei roupas luxuosas, um turbante de tecido das Índias, com fios de ouro, um rico cinturão, além de essências perfumes, empregando nessas compras todo o dinheiro que possuía. Passei o resto do dia no bosque, vestindo-me e me perfumando. Quando anoiteceu, meti-me na caixa e voei para os aposentos de minha amada.
     Scirina me aguardava impaciente. Ao me ver exclamou:
     - Oh, grande profeta! Temi que houvésseis esquecido de vossa esposa! Mas, dizei-me, por que tendes esse aspecto de jovem? Imaginava que Maomé fosse um ancião de longas barbas brancas.
     - E não vos enganais - respondi-lhe, - pois esse é o aspecto com que apareço aos fiéis que são merecedores de tanto bem; mas acreditei que vos agradaria mais sob esta aparência de jovem.
     Ao amanhecer, abandonei o palácio para voltar à noite, e continuei minhas visitas, sem que Scirina e sua aia de nada suspeitassem.
    Transcorridos vários dias, o rei de Gazna visitou o palácio e, como todas as portas estavam fechadas e o selo intacto, disse, cheio de satisfação aos cortesãos que o acompanhavam:
     - Melhor não poderia estar! Enquanto todas as portas do palácio continuem como estão, não tenho por que temer a desgraça que paira sobre minha filha.
     Subiu, então, o rei ao quarto de Scirina que, ao vê-lo, mostrou-se perturbada. O rei, notando o nervosismo da filha, perguntou-lhe o motivo daquilo, o que a deixou ainda mais nervosa. Como ele insistisse nas peguntas, ela terminou cedendo e contou-lhe o que ocorria. Tal não foi a surpresa do rei de Gazna ao saber que, sem nunca o ter sonhado, era agora sogro de Maomé!
     - Que absurdo me dizes, filha minha! Como podes ser tão ingênua? Ah, deuses - exclamou, - vejo que é completamente inútil opor-se a vossos desígnios! A predição se cumpriu; um traidor seduziu minha Scirina!
     Dito isso, saiu furioso do aposento da filha e vasculhou todos os cantos do palácio à procura do rastro do sedutor; mas nada descobriu.
     - Por onde? - perguntava por onde pode ter entrado esse atrevido? Confesso que não sei o que pensar!
     Bahaman resolveu passar a noite no palácio, e submetendo a princesa a novo interrogatório, qis saber se ela havia ceado comigo.
           - Não - respondeu Scirina, - jamais admitiu alimentar-se ou beber licores em minha companhia.
     Afinal anoiteceu, e o rei de Gazna, sentado num divã, mandou que se acendessem todas as luzes do aposento de sua filha e desembainhou o alfanje disposto a lavar com sangue a sua honra ultrajada.
     Um relâmpago atingiu o olhar de Bahaman, que se precipitou para a janela por onde, segundo lhe dissera a filha, eu entrava todas as noites. Olhou o céu e como estivesse todo ele cor de fogo, tomou-se de terrível espanto. Isto me favoreceu, pois, quando apareci na janela, Bahaman, que se achava ainda dominado pelo susto, em vez de avançar sobre mim e decapitar-me, deixou cair o alfanje. Prostrou-se a meus pés e disse, ao mesmo tempo que me beijava as mãos:
     - Oh, grande profeta! Que fiz eu para merecer a honra de ser vosso sogro?
     - Poderoso rei - respondi, fazendo-o erguer-se, - sois vós, entre todos os muçulmanos, o que mais fé tem em mim e, portanto, aquele a quem mais quero. Na tábua fatal, estava escrito - e nossos astrólogos o leram perfeitamente - que vossa filha havia de ser seduzida por um homem. Mas roguei ao Altíssimo Alá que vos livrasse de semelhante desgraça e Alá me ouviu, mas com a condição de que Scirina se tornasse minha esposa.
     O tolo príncipe acreditou no que lhe disse e transtornado de prazer por se ter tornado parente do profeta, voltou a jogar-se a meus pés em sinal de gratidão. De novo o fiz erguer-se e lhe garanti que não lhe faltaria minha proteção enquanto se mantivesse dela merecedor, e ele se foi deixando-me a sós com sua filha.
     Nesse mesmo dia ocorreu um fato que só veio confirmar a crença que tinha em mim o rei de Gazna. Ao voltar para a cidade, desencadeou-se uma furiosa tempestade, fazendo com que, espantado pelo clarão dos relâmpagos, o cavalo de um dos cortesãos se assustasse, jogando-o por terra. Esse cortesão, que havia feito pouco do que dissera o rei a respeito do casamento de sua filha com Maomé, na queda quebrou a perna. O que levou o rei a dizer-lhe:
     - Vês, amaldiçoado? O profeta puniu a tua incredulidade!
     Levaram  ferido para sua casa, e quando Bahaman chegou ao palácio, ordenou que se promovesse uma grande festa em honra de Maomé e de sua filha Scirina.
     - Viva Bahaman, sogro do profeta! - gritava o povo entusiasmado.
     Ao anoitecer, abandonei a cidade, voltei ao bosque e, a bordo de minha caixa, me transportei aos aposentos da princesa.
     - Formosa Scirina - disse-lhe, assim que cheguei ao seu lado, - um cortesão de vosso pai atreveu-se a duvidar de que estejais casada com Maomé. Para castigá-lo, desencadeei uma tempestade que espantou seu cavalo e o jogou no chão quebrando-lhe a perna.
     No dia seguinte, o rei de Gazna reuniu o Conselho e propôs irem todos juntos pedir perdão a Maomé em desagravo à incredulidade do cortesão que tão caro havia pago por sua falta. E assim o fizeram.
     - Scirina - disse o rei, - vimos suplicar-te para que intercedas junto ao profeta por um homem que já recebeu o merecido castigo.
     - Se do que se trata, senhor - respondeu a princesa, - pois Maomé já me informou do ocorrido.
     Todos os ministros se convenceram de que Scirina era realmente a esposa do profeta e, prostrados a seus pés, rogaram-lhe que intercedesse pelo desgraçado cortesão e por eles. A princesa prometeu atendê-los.
     Enquanto isso, minhas provisões tinham acabado e, como havia gasto todo meu dinheiro com roupas e perfumes, não sabia como comprar alimentos. Ocorreu-me então uma ideia que pus em prática aquela mesma noite, ao encontra-me com Scirina. Disse-lhe:
     - Esposa minha, esquecemos uma formalidade em nosso casamento: não me deste o dote que me é devido. Mas como não o desejo e sim, apenas, cumprir uma formalidade, bastará que me dês uma de tuas joias.
       A princesa quis me dar todo o seu tesouro, mas contentei-me com dois diamantes grandes que no dia seguinte vendi na cidade.
     Um mês se passara desde que me convertera em profeta quando chegou um embaixador que, em nome de seu soberano, vinha pedir a mão de Scirina. O rei respondeu-lhe que não podia atender ao pedido, uma vez que sua filha estava prometida ao profeta Maomé. Ao ouvir essas palavras,,, o embaixador pensou que Bahaman havia perdido o juízo. Despediu-se e voltou a seu país. Ao relatar o que ocorrera, o rei foi da mesma opinião que seu embaixador acerca do estado mental de Bahaman mas, pensando melhor, considerou que aquela negativa continha uma ofensa imperdoável e, por isso, convocou seu exército e invadiu o reino de Gazna.
     Aquele rei se chamava Cacem, e Bahaman, que era menos forte que ele, fez seus preparativos militares, mas com tal lentidão que não conseguiu deter o avanço do inimigo. Vendo-se perdido, Bahaman reuniu o Conselho do reino e, nessa ocasião, o cortesão que quebrara a perna durante a tempestade falou:
     - Surpreende-me que o rei se mostre tão assustado neste momento. Que mal podem causar todos os príncipes reunidos ao sogro do profeta Maomé?
     - Tens razão - admitiu Bahaman, - é a Maomé que devemos nos dirigir.
     Dito isto foi ao encontro de Scirina. Diante do apelo do pai, ela prometeu fala com o marido para que intercedesse em defesa dele. Nervoso, Bahaman estranhou que, sendo tarde da noite, o profeta ainda não tivesse chegado. - Será que nos abandonou? - perguntou.
     - Não, querido pai, ele vê do alto o exército que nos ameaça e talvez neste momento certamente já o desbaratou levando pânico aos nossos inimigos.
     Efetivamente era isso o que eu, o suposto profeta, desejava fazer. Tendo observado durante todo o dia o exército de Cacem e especialmente o quartel-general do rei, enchi de pedras grandes e pequenas minha caixa, levantei voo e me detive em cima da tenda real. Os soldados dormiam a sono solto e isso me permitiu descer até uma abertura da tenda através da qual vi Cacem estendido sobre ricas peles. Atirei-lhe uma pedra com tal pontaria que o atingi gravemente no meio da testa. O rei soltou um grito que acordou os guardas, os quais acudiram para proteger seu soberano. Aproveitei para subir nos ares e deixar cair uma chuva de pedras sobre a tenda e os que a rodeavam. Então o pânico se apoderou de todo o exército de Cacem que, tomado de pavor, fugiu precipitadamente, deixando para trás tendas e equipagens.
     - Maomé nos extermina! Estamos perdidos - gritavam os soldados, enquanto fugiam.
     Bahaman, surpreso de ver que o inimigo levantara o cerco, perseguiu-o com sua melhor tropa e, depois de exterminá-lo, capturou o rei Cacem.
     - Por que invadiste meu reino? - perguntou-lhe Bahaman.
     - Supus que te negavas a me dar tua filha por esposa - respondeu Cacem, - com a intenção de ofender-me. Não podia acreditar que tinhas como genro o profeta Maomé. Mas agora já ão o duvido, pois o que me sucedeu só pode ter sido obra dele.
     Em todas as mesquitas se fizeram celebrações para dar graças ao profeta que havia derrotado os inimigos de Gazna. Bahaman então foi ao encontro de Scirina, dizendo que queria manifestar a Maomé a sua enorme gratidão. O que pôde fazer em seguida, ao me ver chegar. Beijou-me os pés e exclamou:
     - Oh, grande profeta! Não sei como expressar-vos o que sinto!
     Fi-lo erguer-se e carinhosamente, beijei-lhe a fronte.
     - Príncipe - disse-lhe eu, - podíeis supor que eu vos abandonaria em tal situação? Castiguei o orgulho de Cacem, que desejava tomar o vosso reino e encarcerar Scirina em seu harém.
     Dois dias depois do enterro de Cacem, o rei de Gazna decretou a realização de grandes festejos para comemorar, não só a vitória sobre o inimigo, mas também o casamento de Maomé com a princesa Scirina.
     Achei então que deveria dar novas mostras de meu poder prodigioso e, para isso, comprei na cidade uma boa quantidade de breu, pólvora e pavios, com que preparei fogos de artifício. Chegada a noite, entrei em minha caixa e sobrevoei a cidade e, nas ruas onde havia mais gente festejando, acendi as mechas e consegui efeito mais espetacular do que imaginava lograr.
     No dia seguinte, porém, deparei com um incêndio no bosque. Fui até lá e encontrei minha caixa pegando fogo. Tudo consequência de alguma fagulha provocada por meus fogos de artifício. Seria impossível dizer-vos qual não foi o desespero e desânimo que se apoderaram de mim. Mas não havia remédio, e tinha que tomar uma decisão que não podia ser outra senão ir tentar a sorte em outro lugar. Assim, o profeta Maomé deixou o reino de Gazna.
     Depois de caminhar três dias, topei com uma caravana de mercadores do Cairo que voltavam à sua terra e me juntei a eles. No Cairo me tornei mercador, percorri vários países e cidades, sem esquecer o passado. Finalmente, velho e cansado, cheguei aqui onde encontrei o desgraçado a quem vós, príncipe dos gênios, quereis tirar a vida.
     Mal o terceiro ancião terminou sua história, o gênio perdoou o mercador da última parte de sua pena e desapareceu. O pobre mercador, feliz da vida, agradeceu a seus salvadores e retornou a sua terra, onde, ao lao da mulher e dos filhos, viveu tranquilamente o resto de seus dias.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Dica de leitura: Mistérios Noturnos

     Ontem terminei de ler Mistérios Noturnos e hoje me senti na obrigação de falar sobre ele aqui no blog. Eu simplesmente adorei esse livro. Publicado pela editora Universo dos Livros em 2012, ele traz quatro contos das maiores autoras de romance erótico contemporâneo (J. R. Ward, Sherrilyn Kenyon, Susan Squires e Dianna Love).


Fonte: arquivo pessoal

     Provavelmente a maioria do leitores se atentaram quando escrevi: "romance erótico contemporâneo". E a resposta às suas perguntas é sim, o livro possui passagens que narram cenas de sexo entre os personagens, no entanto não tem nenhuma ligação com a trilogia de Cinquenta Tons de Cinza (posso garantir, afinal já li os três). Em Mistérios Noturnos, a linguagem e as expressões são mais brandas e o foco de cada conto não é o sexo, mas sim os personagens principais e como vão resolver seus problemas.
     Abaixo, uma passagem retirada de cada conto e um breve resumo de cada história.

Fonte: arquivo pessoal



"Agora o corpo de Michael estava inteiramente em cima do dela, o peso dele a esmagava contra o colchão. Ele estava bloqueando a luz da vela, motivo pelo qual Claire não conseguia ver nada com clareza. Mesmo assim, o brilho que vinha detrás dele evitava a escuridão profunda. De certa forma, ela se sentia bem, embora por um motivo perigoso. A escuridão fazia com que as sensações fossem muito mais vívidas: o úmido contato da boca cálida dele, os puxões que ele dava enquanto engolia o fluido vermelho e a corrente sexual que havia entre eles."

     Nosso primeiro conto se chama História Familiar e foi escrito por J. R. Ward. Nele conhecemos Claire Stroughton, advogada especializada em fusões e aquisições. Claire é uma mulher extremamente focada no trabalho, que não se interessa em ter namorados ou muitos amigos. Em uma de suas visitas a uma antiga cliente de seu pai, a senhorita Leeds, para revisar o testamento da mesma, Claire relutantemente aceita se prolongar um pouco mais do que ela havia planejado à pedido da senhora. Ao tomar uma xícara de chá, Claire vai perdendo os sentidos aos poucos e quando acorda, está deitada em uma cama, trancada em um quarto cheio de livros e iluminado apenas por velas. Depois de momentos em desespero devido a sua situação, ela percebe que mais alguém está trancado no quarto com ela. Depois de lutar em vão, vemos que Claire está trancado com o filho da senhorita Leeds, que ela descobre depois ser um vampiro extremamente bonito e atraente.
     Aos poucos, Claire vai perdendo o medo e procurando saber mais sobre o homem com quem ela divide aquele local. Após descobrir que ele não tem nome (sua mãe só lhe chamava de Filho) e que está trancado naquele quarto há 56 anos, Claire sugere o nome de Michael, o qual ele aprova. Aos poucos ela vai descobrindo que Michael foi trancado naquele quarto quando tinha 12 anos e nunca mais saiu de lá devido à sua natureza, e que uma vez por anos, sua mãe mandava uma mulher que ficava trancada com ele por 3 dias para ele se alimentar (ele conseguia se conter por um ano). Depois, ele apagava a memória das mulheres, elas eram levadas e ele voltava a ficar sozinho. Claire promete para Michael que vai tirá-lo daquela prisão.
     Os dois vão estreitando cada vez mais o contato entre eles, se tornando cada vez mais íntimos, mas então chega a hora de Claire partir. Qual será o fim da história? Será que Michael vai apagar as lembranças daqueles três dias com Claire? Será que ela vai conseguir ajudar ele a fugir? O que o futuro reserva para os dois?

Fonte: arquivo pessoal

"- Porque eu amo você, Lobo, e não quero passar nem mais um dia nesta vida sem estar ao seu lado. Onde você estiver, eu estarei, e, quando você morrer, eu também morrerei."

     Depois de História Familiar, caminhamos para o conto A Sombra da Lua, escrito por Sherrilyn Kenyon. Aqui temos Fury Kattalakis, um Licantropo, e Angelia, uma Arcadiana. Quando uma arma desconhecida ameaça os Lycos e todos ao seu redor, Fury quer descobrir quem fez isso e acabar com o culpado. Ele descobre que seu irmão, Dare (que pertencia à tribo dos Arcadianos, enquanto Fury era da tribo rival, os Katagaria), e Angelia, seu amor de infância que se voltou contra ele por serem de tribos rivais, estão envolvidos no acontecimento. Após ser torturado pelo seu irmão, Fury consegue fugir e leva Angelia consigo para protegê-la. 
     Os dois vão para a casa de Vane, irmão de Fury e enquanto ele se recupera de tudo o que sofreu, Angelia vai descobrindo a verdadeira causa da rivalidade entre os Katagaria e os Arcadianos, o que pode mudar tudo o que ela pensa e sabe sobre a verdade. O amor dos dois fala mais alto, enquanto eles passam por um turbilhão de acontecimentos, incluindo a descoberta de que o destino os escolheu como companheiros ("Ela continuou contemplando a palma da mão. Em seu mundo, o Destino decidia com quem eles deveriam se juntar desde o nascimento. A única maneira de encontrar o companheiro era deitar-se com ele, se fosse para ser, ambos teriam marcas semelhantes. Idênticas,a bem da verdade.").


Fonte: arquivo pessoal


"A carta que Drew tinha escrito dizia a Freya que ele a amava, embora soubesse que ela não retribuía esse amor. Freya nem mesmo confiava em Drew a ponto de lhe contar o que era. E ela era algo, não restava dúvida. Ele lembrava-se dela levantando-o até a cama enquanto ele desmaiava ao tentar usar o penico. Freya o carregou como se ele fosse uma criança. Nenhuma mulher comum poderia fazer algo desse tipo. Ele tinha dito a Henley naquela primeira noite na taverna que eram os vampiros, e não os fantasmas, que bebiam sangue. Talvez ela fosse isso. Era uma palavra feia. Drew sentiu seu estômago afundar-se. Sua cabeça dizia que vampiros não existiam. Seu coração dizia que o que ela era não importava. Freya não o tinha ferido. Aliás, muito pelo contrário: ela tinha cuidado dele e o libertado de uma forma que ele jamais imaginaria ser possível."

     O terceiro lugar é ocupado por Além da Noite, escrito por Susan Squires. Logo no começo, conhecemos Drew Carlowe, e com o passar das páginas, chegamos à Freya. Drew volta depois de muitos anos, focado em sua vingança contra um homem poderoso de sua antiga cidade. Ele compra a propriedade em Ashland, e logo ouve os boatos sobre a propriedade ser assombrada por uma bela fantasma que bebe sangue. Drew não acredita nos boatos e parte para a propriedade. Lá, ele descobre que existe uma intrusa, no entanto não consegue encontrá-la.

     Drew descobre que a mulher que ele amou quando jovem está morta, mas seus pensamentos já estão ligados na mulher de sua propriedade. Aos poucos, Drew vai descobrindo que não terá sua vingança, afinal o destino já cuidou disso para ele. É aí que ele finalmente conhece Freya, e os dois vão se envolvendo cada vez mais, num jogo perigoso e amor e luxúria, e percebem aos poucos que estão dispostos a enfrentar qualquer coisa um pelo outro, mesmo sabendo que seus mundos são tão diferentes e que há um gigante abismo entre eles.

Fonte: arquivo pessoal


"A boca de Trey alimentou o calor latente que ela nunca pensou que sentiria novamente. Até agora. Sasha queria aquele homem, ansiava por ele como por uma droga. Longos dedos de uma mão enterraram-se em seus cabelos, segurando-a como se ele achasse que ela pararia. De jeito nenhum. Ela o queria aqui, agora, em qualquer lugar. A boca dele pediu por mais, acariciando com a língua cada centímetro da boca dela. Trey estendeu a mão e roço um dedo num dos mamilos de Sasha, entumecido através do tecido."

     E para finalizar o livro temos Beijo de Adeus à Meia-Noite, escrito por Dianna Love. Chegou a hora de conhecermos Trey McCree e Sasha Armand. Trey volta para Atlanta tentando encontrar o mágico Ekkbar e mandá-lo devolta para juntos dos outros Kujoo, de onde nunca deveria ter saído. Ele é surpreendido ao encontrar Sasha, sua ex-namorada, que também está caçando Ekkbar, no intuito de ajudar sua irmã Rowan. Os dois percebem que devem trabalhar juntos, mesmo com todas as dores do passado vindo à tona.
     Em uma de suas buscas, eles são atacados por Vyan, um guerreiro hindu do povo Kujoo. Ao tentar ajudar Trey, Sasha acaba derrubando duas árvores em Vyan, fazendo com que Trey fique desconfiado, até ele descobrir seu segredo: o fato dela ser uma bruxa. O amor fala mais alto, mesmo entre as turbulências de estarem sendo caçados, e Trey acaba confessando para Sasha que também faz parte de um tribo de criaturas sobrenaturais: os Beladors. Mas será que eles conseguiram sobreviver a todos os acontecimentos que estão por vir? O que o destino lhes reserva?

     O desfecho de cada um destes contos estão recheados de reviravoltas e momentos eletrizantes. É impossível não se apaixonar pelos personagens, não sofrer ou se divertir com eles, afinal a cada página lida ficamos mais e mais envolvidos, ansiando por saber o que irá acontecer com cada um deles. Então, se você, assim como eu, adora ler, não perca esta oportunidade de ler Mistérios Noturnos, um livro com histórias e personagens sedutores, e recheado pelo sobrenatural.