sexta-feira, 13 de março de 2015

A Segunda Viagem de Simbad, o Marujo

Hoje eu quero compartilhar a história da Segunda Viagem de Simbad, o Marujo, extraída do livro As Mil e uma Noites: Contos Árabes (tradução Ferreira Gullar - 5. ed. - Rio de Janeiro: Revan, set. 2010. pag. 66-71).

A Segunda Viagem de Simbad, o Marujo

     No dia seguinte, Hindbad voltou à casa de Simbad, que o recebeu alegremente. Assim que todos os convidados chegaram, Simbad mandou servir-lhes vinho e comida e depois falou-lhes:
     - Senhores, peço-vos que vos disponhais a ouvir as aventuras de minha segunda viagem. Elas prenderão vossa atenção mais que as da primeira.
     Todos se calaram, e Simbad começou assim:
     - Após minha primeira viagem, tinha decidido passar o resto da vida em Bagdá, como vos havia dito ontem. Mas não demorei a me entediar da vida ociosa que levava. O desejo de viajar e fazer negócios em portos diversos tornou-se irresistível e assim comprei mercadorias apropriadas ao tipo de comércio que imaginei e empreendi uma segunda viagem em companhia de outros comerciantes de probidade comprovada. Embarcamos num excelente navio e, após rogarmos a proteção de Deus, nos fizemos ao mar.
     Em nossa viagem fomos parando de porto em porto, de ilha em ilha, realizando vendas lucrativas. Um dia desembarcamos numa ilha coberta de árvores frutíferas, mas tão deserta que não se via nenhuma casa nem pessoa. Passeamos por seus prados e ao longo dos riachos que os fertilizavam. Enquanto alguns se divertiam colhendo flores e outros colhendo frutos, fui sentar-me à sombra de uma árvore, próximo a um riacho, com o vinho e o pão que trouxera comigo. Depois de comer e beber fartamente, senti sono, estiquei-me ali mesmo e adormeci. Não sei quanto tempo dormi, mas a verdade é que, quando acordei, o navio já tinha levantado âncora e ido embora.
     Fiquei muito surpreso por não ver mais o navio e nem tampouco os companheiros que comigo haviam desembarcado naquela ilha. Apenas divisei, longe, no horizonte, a vela de um barco que em seguida desapareceu.
     Podeis imaginar que pensamentos me assaltaram em tal aflitiva situação. Pensei na morte, comecei a gritar, desesperado, bati na minha própria cara e me joguei ao chão onde me deixei ficar por muito tempo, envolto em confusos pensamentos e numa crescente aflição. Cem vezes me chamei de idiota por não ter me contentado com minha primeira viagem. Mas todos esses lamentos eram inúteis, e meu arrependimento chegara tarde demais.
     A fim de me resignar à vontade de Deus e sem saber o que iria me acontecer, subi a uma árvore para observar em volta e tentar descobrir alguma saída para aquele impasse. Olhando para o mar, não via nada, além de água e céu; olhando por terra, divisei uma coisa branca, que eu não sabia o que era. Desci da árvore, peguei as provisões que me restavam e saí andando em direção à tal coisa branca que eu mal distinguia, tão distante estava.
     Quando cheguei um pouco mais perto, pude ver que se tratava de uma bola branca de tamanho colossal. Aproximei-me dela e a toquei: pareceu-me suave. Andei em volta dela em busca de uma entrada, mas não havia nela nenhuma abertura; e era lisa demais para tentar subir nela. Tinha uns cinquenta passos de circunferência.
     De repente anoiteceu, como se uma nuvem tivesse coberto o sol. Se esse anoitecer repentino me surpreendeu, mais surpreso fiquei ao ver que a causa daquilo era um pássaro de enorme envergadura que vinha voando em minha direção. Lembrei-me de um pássaro chamado roc, de que falavam os marinheiros, e então concluí que a bola branca que acabara de encontrar era na verdade um ovo daquela ave. De fato, ela desceu e pousou sobre a bola, como para cobri-la. Quando vi que ela descia, colei-me ao ovo para proteger-me, e assim me vi em seguida diante de um de seus pés, tão grande quanto um tronco de árvore. Com o turbante, amarrei-me ao pé do pássaro, na esperança de que, quando levantasse voo, ao amanhecer, me levasse consigo para fora daquela ilha deserta. Efetivamente, quando o dia amanheceu, o pássaro levantou voo comigo, levando-me tão alto que perdi a terra de vista. Em seguida, desceu tão rapidamente que mal percebi. Quando ele pousou no chão, tratei imediatamente de desatar o laço que me prendia a seu pé. Tinha acabado de me soltar, quando tomou no bico uma serpente enorme e saiu voando com ela.

Fonte: http://www.sacred-texts.com/neu/lang1k1/tale17.htm

     O lugar onde o pássaro me deixou era um vale muito profundo, rodeado de montanhas tão altas que se perdiam nas nuvens e tão escarpadas que era impossível escalá-las. Encontrava-me de novo num beco sem saída e, comparando este lugar com a ilha deserta onde estava, vi que não lucrara nada com a troca.
     Caminhando por esse vale, observei que ele era semeado de diamantes, alguns deles de tamanho surpreendente. Contemplei-os com prazer, mas logo percebi adiante outras coisas que substituíram esse prazer por medo: era um grande número de serpentes tão grossas e longas que poderiam engolir um elefante. Durante o dia, elas desapareciam nos buracos das rochas, talvez para escapar ao ataque dos pássaros, e voltavam de noite. Andei o dia inteiro pelo vale e, à noite, escondi-me numa caverna, onde julguei estar a salvo das serpentes. Fechei a entrada da caverna com um bloco de pedra para proteger-me e tratei de matar a fome com parte das provisões que trazia. Logo as cobras começaram a aparecer, silvando assustadoramente. Foi uma noite de horror aquela. Quando amanheceu, as serpentes se foram e eu pude deixar a caverna. Ainda trêmulo de medo, caminhei sobre os diamantes, quase sem reparar neles. Afinal, sentei-me e, apesar da aflição que me tomava, adormeci, já que não pregara olho a noite toda. Mas logo despertei com o barulho de alguma coisa que caiu perto de mim: era um pedaço grande de carne fresca, e neste momento vi tombarem do alto do penhasco, e em pontos diferentes, outros tantos pedaços iguais.

Fonte: http://www.sacred-texts.com/neu/lang1k1/tale17.htm

     Nunca acreditei nas histórias contadas por marinheiros a respeito do Vale dos Diamantes e do expediente de que se valiam mercadores para tirar de lá as pedras preciosas. Agora via que diziam a verdade. De fato, esses mercadores dirigiam-se para o vale na época em que as águias vão dar crias. Então, cortam grandes pedaços de carne e os atiram no vale para que neles se espetem os diamantes. As águias descem, pegam esses pedaços de carne o trazem para alimentar os filhotes. Então, os mercadores se aproximam dos ninhos, espantam as águias com seus gritos e recolhem os diamantes que vieram presos à carne. Lançam mão desses recursos, já que é impossível descer ao fundo do vale onde se encontram os diamantes.
     Até aquele momento, não acreditava poder escapar daquele abismo, mas o estratagema usado pelos mercadores mostrou-se que nem tudo estava perdido.
     Comecei por juntar os maiores diamantes que encontrava e pô-los na bolsa de couro onde trazia os alimentos. Peguei em seguida o pedaço de carne mais comprido que achei e o prendi fortemente em torno de meu corpo com ajuda do turbante. Depois me deitei no chão, de barriga para baixo, e com a bolsa de couro bem presa na cintura.
     As águias não demoraram a vir: cada uma pegou seu pedaço de carne e uma delas, a maior de todas, me levantou juntamente com o pedaço de carne em que me enrolara e levou-me até o seu ninho no alto da montanha. Os mercadores não demoraram a vir, espantando as águias com seus gritos. Foi então que um deles, ao se deparar comigo, mal acreditou no que via. E logo manifestou seu desagrado, acusando-me de tê-lo prejudicado.
     - Calma - disse-lhe eu, - trouxe diamantes que darão para nós dois e em quantidade maior do que todos os outros mercadores juntos obtiveram. Estão aqui nesta bolsa.
     Mostrei-lhe a bolsa e já os outros mercadores se reuniram em volta de nós dois, surpresos de me verem, e mais surpresos ficaram quando lhes contei como chegara ali. Conduziram-me até o alojamento onde viviam e lá mostrei-lhes os diamantes que trazia na bolsa. Eles se surpreenderam com o tamanho das pedras e afirmaram que, mesmo tendo feito numerosas incursões, não haviam juntado tantas pedras quanto eu.
     Como já estivessem ali há vários dias colhendo diamantes, decidiram voltar para casa, e eu os acompanhei. Depois de uma longa caminhada pelas montanhas, chegamos a um primeiro porto, donde passamos à ilha de Roha, onde cresce a árvore da cânfora e que é tão grande e folhada que cem homens podem facilmente se abrigar à sombra de sua copa. De lá fomos a outras ilhas e, depois de tocarmos em vários portos de comércio, chegamos a Bolsora, de onde vim para Bagdá. A primeira coisa que fiz foi distribuir generosas esmolas aos pobres, para depois gozar honestamente da riqueza que com tanto sacrifício conquistara.
     Foi assim que Simbad concluiu a história de sua segunda viagem. Ele de novo deu cem cequins a Hindbad e de novo o convidou a vir escutar a história de sua terceira viagem.
     Os convidados voltaram à casa de Simbad no dia seguinte, do mesmo modo que o carregador, já agora esquecido da miséria passada. Sentaram-se todos à mesa e, depois de cearem, Simbad começou a falar-lhes de sua terceira viagem.

2 comentários:

  1. suas postagens me transportam as minhas leituras de infância.Parabéns!!

    So queria saber como visualizar as viagens que não aparecem como a primeira e a terceira,abraços

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