quarta-feira, 18 de março de 2015

A Sétima e Última Viagem de Simbad, o Marujo

Hoje eu quero compartilhar a história da Sétima e Última Viagem de Simbad, o Marujo, extraída do livro As Mil e uma Noites: Contos Árabes (tradução Ferreira Gullar - 5. ed. - Rio de Janeiro: Revan, set. 2010. pag. 102-108). Com este post encerramos a incrível jornada de Simbad.

A Sétima e Última Viagem de Simbad, o Marujo

     De volta de minha sexta viagem - disse Simbad, - afastei a hipótese de realizar uma outra. Além do fato de já estar numa idade que recomenda repouso, havia me prometido nunca me expor a perigos semelhantes aos que enfrentara. Desse modo, imaginava viver em boa paz e tranquilidade o resto de meus anos. Num dia em que recebia um grupo de amigos, um criado veio me avisar que um oficial do califa me chamava. Levantei-me da mesa e fui recebê-lo.
     - O califa manda dizer que quer falar com o senhor -, disse-me o oficial, e me levou à presença do príncipe.
     - Simbad - disse-me ele, - necessito de que me preste um serviço. Quero que leves minha resposta e meus presentes ao rei de Serendib. É justo que lhe retribua a homenagem que me prestou.
     Esse pedido do califa me atingiu como um raio.
     - Comendador dos crentes - respondi-lhe eu, - estou sempre pronto a fazer tudo o que Vossa Majestade me ordene, mas suplico humildemente considerardes que estou fatigado dos incríveis sofrimentos por que passei. Cheguei mesmo a jurar que jamais voltaria a deixar Bagdá.
     Disse isto e em seguida contei-lhe em resumo as minhas aventuras. Quando parei de falar, ele retrucou:
     - Vejo que viveste situações extraordinárias, mas isso não me impede que, por consideração a mim, faças a viagem que proponho. Trata-se apenas de ir à ilha de Serendib e te desincumbires da missão que te confio. Depois disso, estarás livre para voltar para casa.
     Vendo que o califa exigia de mim o cumprimento daquela tarefa, admiti realizá-la. Ele ficou muito contente e me deu mil cequins para as despesas com a viagem. Em poucos dias eu estava pronto para a partida, levando a carta e os presentes do califa. Segui para Balsora e de lá tomei um navio com destino a Serendib, aonde cheguei sem tropeços. Lá expus aos ministros a missão de que estava encarregado e eles me levaram à presença do rei, ao qual saudei conforme o costume. Ele logo me reconheceu e manifestou alegria por me rever. Após agradecer-lhe a bondade com que me tratara, entreguei-lhe a carta e os presentes enviados pelo califa, os quais recebeu com grande satisfação.
     O califa lhe enviara um leito completo com lençol de ouro, estimado em mil cequins; cinquenta trajes de riquíssima tecido e cem outros feitos em fino tecido branco do Cairo, de Suez, de Cufa e de Alexandria; mais dois leitos, sendo um carmesim e outro tipo; um vaso de ágata, lindamente decorado, e finalmente uma preciosa mesa que se acreditava ter pertencido ao grande Salomão.
     O rei de Serendib leu em seguida a carta do califa e mostrou-se feliz com a demonstração de amizade que este lhe manifestava. Então, pedi ao príncipe que permitisse retirar-me, ao que ele acedeu não sem antes me distinguir com um valioso presente. Embarquei no navio com o objetivo de regressar a Bagdá, mas as coisas não correram como eu esperava. Três ou quatro dias depois da partida, fomos atacados por corsários que, sem dificuldade, tomaram nosso barco. Alguns dos nossos tripulantes que tentaram oferecer-lhes resistência pagaram com a vida. Os demais, inclusive eu, foram reduzidos à condição de escravos.
     Simbad, continuando a história de sua sétima viagem, contou que os corsários os transportaram para uma ilha distante e os venderam.
     - Eu caí nas mãos de um rico mercador- disse Simbad, - que me levou para sua casa e me vestiu como escravo. Dias depois, como não estivesse bem-informado sobre quem era eu, perguntou-me se não tinha alguma profissão. Respondi-lhe, sem me dar a conhecer, que não era um artesão, mas um mercador profissional, e que os corsários me haviam tomado tudo o que possuía.
     - Mas não sabes atirar com o arco? - perguntou-me ele.
     Disse-lhe que aquele era um dos exercícios que praticara na juventude e que ainda sabia praticá-lo. Então, ele me deu um arco e algumas flechas, me fez montar na garupa de um elefante e me levou até uma vasta floresta que ficava distante da cidade. Entramos na floresta e, a certa altura, ele me mandou desmontar. Em seguida, mostrando uma árvore enorme, me mandou subir nela e alvejar com flechas os elefantes que passassem.
     - Há muitos deles nesta floresta - disse, - e se acertar algum, avise-me.
     Deixou-me alguns víveres e retirou-se, tomando o caminho de volta à cidade. Subi na árvore e ali passei toda a noite.
     Durante esse tempo, não apareceu nenhum elefante; mas, depois que o dia clareou, surgiram muitos deles. Tratei de alvejá-los e consegui atingir um deles, que tombou no chão. Os outros se foram e eu pude assim ir avisar meu patrão do bom resultado da caçada. Ele ficou muito contente e me recompensou com um bom almoço. Depois fomos juntos à floresta, cavamos um buraco e nele enterramos o elefante que eu havia matado. A intenção de meu dono era deixar que o animal apodrecesse para depois vir arrancar-lhe as presas e vendê-las.
     Continuei a caçar elefantes durante dois meses e não houve um só dia em que não matasse algum. Certa manhã, quando aguardava a chegada dos animais, percebi que, em vez de seguir seu caminho pela floresta, como sempre faziam, eles se detiveram e vieram em minha direção, soltando assustadores bramidos e em tão grande número que a terra estremecia sob seus passos. Aproximaram-se da árvore onde me encontrava e a cercaram, estendendo as trombas em minha direção e me fitando com raiva. O medo me deixou paralisado, e o arco e as flechas me caíram das mãos.

Fonte: http://www.angelfire.com/nb/classillus0/arabian/sinbad.html

     Meu temor não era infundado: o maior deles enrolou a tromba no tronco da árvore, arrancou-a do chão e a deitou por terra. Caí junto com a árvore, mas o bicho me pegou com a tromba e me colocou sobre seu dorso, onde me sentei, mais morto que vivo, com a aljava presa às espáduas. Ele se pôs em seguida à frente dos outros elefantes, me conduziu a um ponto onde me repôs no chão e se foi embora seguido por todos os outros que o acompanhavam. Nem dá para crer o estado em que fiquei: sentia-me mais dormindo que acordado. Afinal, depois de ficar um tempo ali deitado, percebi que os elefantes tinham ido embora, levantei-me e vi que estava numa colina muito comprida e larga, toda ela coberta de ossos e presas de elefantes. Diante daquilo fiz uma série de reflexões, admirei o instinto daqueles animais, convenci-me de que estava num cemitério de elefantes e que eles me tinham levado ali de propósito, a fim de que eu deixasse de persegui-los, uma vez que o fazia apenas para arrancar-lhes as presas. Logo tratei de tomar a direção da cidade e, depois de caminhar um dia e uma noite, cheguei à casa de meu dono, que, ao me ver, falou:

Fonte: http://www.angelfire.com/nb/classillus0/arabian/sinbad.html

     - Pobre Simbad, estava preocupado com o que tivesse acontecido contigo. Andei pela floresta, vi uma árvore arrancada e encontrei no chão um arco e algumas flechas. Pensei que nunca mais te veria. Conta-me o que se passou contigo! Que bom que ainda estás vivo!
     Satisfiz sua curiosidade e no dia seguinte fomos à colina, onde verificou que lhe contara a verdade. Carregamos com presas o elefante que até ali nos levara e voltamos para casa. Tão feliz ficou com a descoberta, que o tornaria um homem rico, que decidiu conceder-me a liberdade. Disse-me que os elefantes daquela floresta já tinham matado muitos escravos que ali os caçavam e que agora, graças a mim, isso não seria mais necessário. A vida dos escravos seria poupada, e todos os habitantes da cidade enriqueceriam com as presas, que bastariam para todos. Acrescentou ainda que poderia convocar os habitantes a contribuírem para me recompensar, mas que ele fazia questão de providenciar isto sozinho. Eu lhe agradeci a generosidade, mas disse que a liberdade que me concedera já era recompensa suficiente. Só desejava agora era a permissão de voltar para minha terra. Ele concordou e me disse que poderia voltar para Balsora num dos muitos navios que ali aportavam em busca de marfim. Enquanto esperava a chegada do navio, fomos tantas vezes à colina que enchemos os armazéns com as presas trazidas dali. Os comerciantes da cidade, que não demoraram a saber do cemitério de elefantes, também fizeram o mesmo.
     Enfim os navios chegaram, e meu ex-dono, tendo escolhido ele mesmo o navio que me levaria de volta, encheu-o pela metade, de marfim, como um presente para mim. Também não se esqueceu das provisões de que necessitaria durante a viagem e de outros presentes valiosos, além de curiosidades típicas do país. Despedi-me dele e embarquei, lembrando as aventuras que acabara de viver ali.
     No caminho, paramos em vários portos para nos abastecer de água e chegamos finalmente a Balsora, onde fiz desembarcar o marfim que me pertencia, disposto a continuar minha viagem por terra. Vendi o marfim por uma grande soma de dinheiro, comprei objetos raros para dar de presente. Pronto para a viagem, juntei-me a uma caravana de mercadores. A viagem foi penosa, mas eu a suportei com paciência, dizendo-me que pelo menos estava a salvo de tempestades e corsários, livre de serpentes e outros perigos que havia enfrentado em minhas viagens marítimas.
     Finalmente, todas essas canseiras acabaram: cheguei a Bagdá. A primeira coisa que fiz foi apresentar-me ao califa para dar-lhe notícia do cumprimento da missão que me confiara. Disse-me ele que a excessiva duração de minha viagem o tinha deixado preocupado, mas sempre confiara em que Deus me protegeria. Contei minhas aventuras, que lhe pareceram extraordinárias a ponto de mandá-las escrever em letras de ouro para conservá-las consigo. Fiquei muito feliz com a sua cordialidade e com os presentes que me deu. Depois disso, dediquei-me inteiramente a minha família, a meus parentes e a meus amigos.
     Em seguida, Simbad dirigiu-se a Hindbad:
     - E então, caro amigo, já soubeste de alguém que tenha sofrido tanto quanto eu e tenha passado por tantas dificuldades e perigos? Não é, portanto, justo que, depois de tudo o que passei, goze agora de uma vida feliz e tranquila?
     Hindbad beijou a mão de Simbad e falou:
     - Devo reconhecer que enfrentastes situações terríveis. Meus sofrimentos não podem se comparar aos vossos: se eles me afligem enquanto os estou vivendo, depois me consolo com a lição que tiro deles. Vós não apenas mereceis uma vida tranquila, como mereceis também todos os bens que possuís, porque sabeis fazer bom uso deles e sois generoso com os demais. Por isso, faço votos de que vivas feliz até o fim de vossos dias.
     Simbad mandou que lhe dessem mais cem cequins, aconselhou-o a deixar a profissão de carregador e convidou-o a, sempre que quisesse, vir comer em sua casa, na esperança de que nunca se esquecesse de Simbad, o marujo.

4 comentários:

  1. Valeu....
    pela postagem, é difícil encontrar as estórias de Simbad.

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    1. se gostar de alguma outra, manda aqui nos comentários para eu poder postar ;)

      ahhh, e obrigada por visitar o blog!!

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